Três conclusões tiradas das investigações sobre a morte de Jovenel Moïse no Haiti

Um mês após a morte de Jovenel Möise no Haiti, as investigações seguem inconclusivas, enquanto um líder de gangue se prepara para a guerra.

Foto: Telesur

Por Parker Asmann | Insight Crime – Tradução de Julia Goudard para a Revista Opera, com revisão de Rebeca Ávila

Quase um mês após o assassinato à meia-noite do então presidente do Haiti, Jovenel Moïse, muitos dos detalhes acerca da orquestração do assassinato continuam obscuros, apesar de dezenas de prisões.

Desde o assassinato no dia 7 de julho, autoridades no Haiti prenderam mais de 40 pessoas, incluindo 18 ex-militares colombianos suspeitos de participarem de um esquadrão que entrou na residência privada do antigo presidente, onde ele levou múltiplos tiros.

À medida que as camadas da trama são gradualmente reveladas, uma lista de participantes adicionais tem emergido, incluindo um ex-traficante de cocaína, o coordenador de segurança do presidente, ex-oficiais do governo haitiano, a polícia local e empresários influentes.

Algumas conexões entre os diferentes suspeitos apontam para o sul da Flórida, onde oficiais haitianos incriminaram um pastor, o dono de uma pequena companhia de serviços financeiros e o dono de uma empresa de segurança privada.

Mas ainda é incerto quem está por trás do assassinato e quem disparou os tiros fatais, e investigadores dizem que o inquérito está sendo mal administrado. Enquanto isso, o líder da gangue mais conhecida do Haiti está se posicionando para tirar proveito do caos.

Bloqueios investigativos

A investigação do notório assassinato do ex-chefe de Estado do Haiti tem “repetidamente se desviado do protocolo estabelecido” devido a ameaças de morte e dificuldades em acessar cenas do crime, evidências e testemunhas chave, de acordo com uma investigação da CNN baseada em documentos vazados do Ministério da Justiça.

O primeiro oficial a documentar a cena do crime na casa de Moïse, o juiz de paz haitiano Henry Destin, disse que ele se escondeu depois de receber ameaças de morte. Outras fontes disseram à CNN que a investigação enfrentou “erros de protocolo difíceis de explicar” que levaram à “omissão de peças-chave de informação” dos relatórios oficiais.

Vários outros oficiais assinaram uma carta aberta em nome da Associação Nacional de Escrivães Haitianos (L’Association Nationale des Greffiers Haïtiens – ANAGH) que demanda das autoridades o estabelecimento de proteções para que eles possam “continuar sua tarefa em paz”.

Quase nada tem sido feito para investigar as ameaças, apesar de mensagens intimidadoras “sugerirem conhecimento interno sobre os movimentos dos investigadores”, de acordo com os documentos vazados.

“Ei escrivão, prepare-se para uma bala na sua cabeça, eles te deram uma ordem e você continua fazendo merda”, dizia uma das mensagens aos escrivães locais.

O sistema de justiça haitiano tem falhado nas investigações de criminosos de alto nível, incluindo aqueles por trás de vários massacres que aconteceram enquanto Moïse  governava. O governo haitiano tem permitido que criminosos “ajam com quase completa impunidade”, de acordo com um relatório feito pela Clínica Internacional de Direitos Humanos da Escola de Direito de Harvard e o Observatório Haitiano de Crimes Contra a Humanidade (Observatoire Haïtien des Crimes contre l’humanité – OHCCH).

Com a morte, a aliança G9 vê uma oportunidade

Vestido de branco dos pés à cabeça ao lado de um retrato de Moïse, o líder de gangue Jimmy Chérizier, também conhecido como “Barbecue”, se uniu a centenas de pessoas em 26 de julho na marcha pelas ruas da comuna de Delmas da capital Porto Príncipe para honrar o antigo chefe de estado. Líder de uma poderosa aliança de gangues conhecida como G9 e Família, Chérizier parece preparado para tirar vantagem do vácuo de poder no Haiti.

A demonstração externa de apoio por Moïse  é uma reversão rápida para Chérizier. No mês de junho, cercado por dezenas de homens mascarados e fortemente armados, ele chamava seus aliados a pegar em armas e se prepararem para uma “grande revolução” contra o partido de direita de Moïse, o PHTK (Parti Haïtien Tèt Kale), assim como o setor empresarial e a oposição. Antes disso, Chérizier e sua federação de nove gangues aliadas tinham supostamente recebido apoio governamental – não diferente de acordos similares que líderes políticos têm intermediado com gangues armadas nos anos passados.

Antes do assassinato de Moïse, a violência de gangues tinha paralisado Porto Príncipe, motivada em parte pela guerra entre os membros da Aliança G9. A luta deslocou cerca de 8,5 mil pessoas – muitas delas mulheres e crianças – ao longo de duas semanas no início de junho, de acordo com relatórios do Fundo das Nações Unidas Para a Infância (UNICEF).

Em um relatório do início de julho, O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) disse que “a escalada de violência continua quase diariamente e é esperado que continue por um tempo”. Em uma coletiva de imprensa no mês da morte do presidente, a Associated Press citou Chérizier dizendo que ele e seus aliados estavam “prontos para a guerra”.

O antigo policial que se tornou chefe de gangue pode estar usando o caos deixado pelo assassinato de Moïse como cobertura para aumentar seu poder.

“A gangue nesse país não são aqueles homens com armas que você pode ver aqui”, ele disse à Vice News. “ As gangues reais são os homens de terno. As gangues reais são os oficiais no palácio nacional, as gangues reais são os membros da oposição”.

Associação dos EUA com o assassinato

Dois cidadãos americanos de origem haitiana estavam entre as primeiras pessoas presas em conexão com o assassinato, e ambos supostamente agiram como tradutores para os responsáveis pelo ataque. O delegado da Polícia Nacional haitiana, Léon Charles, acusou posteriormente o empresário venezuelano Antonio Intriago, que é proprietário de uma companhia de segurança no sul da Flórida conhecida como CTU e que supostamente contratou soldados colombianos.

No fim de julho, o Miami Herald reportou que oficiais da Agência Federal de Investigação dos EUA e do Serviço de Investigação de Segurança Interna(Federal Bureau of Investigation –FBI e Homeland Security Investigations –HSI )  executaram os primeiros mandados de busca e apreensão dos EUA no caso. As operações miravam em Intriago e outro residente da Flórida, Walter Veintemilla, chefe do Worldwide Capital Lending Group, na suspeita de que eles poderiam ter “financiado e treinado” os mercenários colombianos. As autoridades estavam procurando especificamente por um possível registro em papel, como movimentações financeiras, para esclarecer a potencial preparação logística para o ataque.

Apesar das acusações pelo delegado de polícia do Haiti, agentes norte-americanos não encontraram “nenhuma indicação até agora de que os empresários do sul da Flórida tenham tido qualquer envolvimento na morte do presidente”, segundo o Miami Herald.

O advogado de Veintemilla contou aos meios de comunicação que seu cliente não tinha nenhuma relação com “o assassinato”. Ele intermediou um empréstimo para financiar o que ele acreditava ser um plano para substituir o presidente do Haiti por um líder interino em uma transição pacífica de poder, segundo o advogado. Intriago não respondeu aos pedidos de entrevista.

Autoridades no Haiti também acusaram o pastor e médico de 63 anos Christian Emmanuel Sanon de estar envolvido na trama. Sanon, um residente antigo dos EUA, foi preso no Haiti. O delegado de policia Charles disse no meio de julho que o assassinato de Moïse foi o ato final de um complexo plano de Sanon para alcançar suas próprias ambições politicas e “assumir como presidente da República”.

Relatórios obtidos pelo Washington Post detalhavam como Sanon supostamente usou dois empresários da Flórida que eram alvos de mandados de busca para “recrutar e montar uma força de segurança privada para proteger [Sanon] até ele se tornar o presidente do Haiti”, e então ele iria “restituí-los por seus serviços usando as riquezas do país”.

Membros seniores do serviço de segurança de Moïse também foram presos. O coordenador de segurança do antigo presidente está desde então sob vigilância, em meio a questionamentos sobre como o grupo de assassinos foi capaz de ganhar acesso à residência de Moïse.

Os soldados colombianos presos após o assassinato disseram que eles não atiraram no presidente Moïse e foram levados a acreditar que estavam em uma missão de segurança. Habilmente treinados e com experiência de guerra pelas décadas de conflito interno armado contra as guerrilhas esquerdistas, os antigos soldados colombianos têm se espalhado por todo o globo — incluindo como forças contratadas por latifundiários em Honduras e com contratos militares privados no Oriente Médio, dentre outros exemplos.

Um porta-voz do Pentágono disse ao Washington Post que um “pequeno número de indivíduos colombianos detidos como parte desta investigação havia participado de treinamento prévio pelo exército dos EUA e programas educacionais, enquanto serviam como membros ativos do Exército Colombiano”.

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