A historiadora Eloá Chouzal, membro da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA), ficou em “estado de choque” quando soube do incêndio que atingiu o galpão da Cinemateca Brasileira na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, nesta quinta-feira (29). Ela classifica o episódio não como um “desastre”, mas um “crime”, dada a negligência do governo Bolsonaro. E disse que não é possível minimizar o ocorrido, com a justificativa de que a sede da Cinemateca não foi atingida.
“A gente vem há um ano e meio alertando o governo sobre a iminência desse desastre. Para mim, é um crime. O coração da Cinemateca é o seu acervo. Se você não cuida, se não tem trabalhadores, técnicos especializados, que monitoram o que está acontecendo nesse acervo, ele está abandonado”, disse Eloá, em entrevista a Marilu Cabañas, para o Jornal Brasil Atual, nesta sexta-feira (30).
Nesse sentido, Eloá alerta que a sede da Cinemateca também corre perigo. Após sucessivas mobilizações da classe artística, a Secretaria Especial de Cultura liberou verbas para a contratação de serviços básicos de manutenção. Mas os técnicos que cuidavam do acervo, demitidos no ano passado, não foram substituídos. “Não adianta colocar segurança, jardineiro e manutenção predial, se o que importa, o coração, a alma da cinemateca, não está sendo cuidada”.
“Há um ano e meio a gente vem fazendo manifestações de todos os tipos: presenciais, mesmo em meio à pandemia, nas redes, com pessoas do mundo inteiro. Inclusive com federações internacionais manifestando preocupação com o risco de perda desse patrimônio”, lembrou Eloá. Em abril, os trabalhadores da Cinemateca, além de intelectuais e políticos, divulgaram uma carta aberta alertando para o descaso do governo. Graças ao corte de verbas e a demissão de funcionários, a ameaça de incêndio era iminente.
Os ataques do governo Bolsonaro começaram ainda em 2019, quando o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, decidiu romper, unilateralmente, o contrato com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), que administrava a Cinemateca.
Em junho de 2020, os trabalhadores da Cinemateca fizeram uma paralisação de 24 horas. No auge da pandemia, estavam sofrendo com atrasos de salários, deterioração das condições de trabalho e constante ameaça de demissões. Ao fim daquele mês, a empresa terceirizada contratada para a manutenção dos climatizadores necessários para a conservação dos filmes deixou de prestar serviço e a brigada de incêndios debandou. Até mesmo a prefeitura de São Paulo e o Ministério Público Federal (MPF) entraram com ação para reaver o controle do espaço.
Em meio a tudo isso, a Cinemateca foi transferida para a Secretaria Especial de Cultura. O titular da pasta, Mario Frias – que substituiu na função a atriz Regina Duarte, após sucessivos choques com classe artística – chegou até mesmo a anunciar que o acervo da Cinemateca seria transferido para Brasília. Em agosto, as chaves de instituição foram tomadas, enquanto as verbas continuavam congeladas.
Apagamento da memória
“O que esse governo quer é isso mesmo: Acabar com a memória, para colocar qualquer coisa no lugar. Para poderem dizer, até mesmo, que a Terra é plana. É muito desesperador”, apontou, indicando que o caminho é a resistência. “A gente vai tirar força de onde não tem e continuar nessa luta”.