Por Flávio Carvalho, para Desacato.info.
“Nem teme, quem te adora, a própria morte; terra adorada” (Hino Nacional Brasileiro)
Torcer pela derrota da selecinha brasileira na vergonhosa celebração da Cepa América num Brasil campeão de mortos por Covid? Torcer mais pela derrota do Neymar do que torcer pela vitória do Messi, é algo emocionalmente mais incômodo de dizer do que de sentir.
Nunca ter medo de dizer-se o que se sente. E assumir as consequências. Com liberdade plena.
O presidente mais cagão da história do país, infelizmente, tornou tudo mais fácil para mim.
De fato, senti-me obrigado a explicitar minha íntima opinião, depois de perguntado pelos meus filhos (brasileiros como eu), que desde quando eram crianças nunca estiveram satisfeitos somente com um sim ou com um não, sem explicar todas as minhas motivações.
Escrevo aqui os meus porquês, tal como os tentei explicar aqui dentro de casa, quando me acusaram de estar politizando algo tão sagrado para eles como o esporte (e, mais ainda, o futebol, esporte que mais envolve um sentimento de país).
Tudo isso potencializados por vivermos fora do Brasil, que intensifica esse debate. E mais: por vivermos na província de Barcelona, terra onde a divindade de Messi é assunto nacional; tanto quanto a demonização de Neymar, e suas vivências no Clube de Futebol mais famoso do Mundo – o Barcelona.
Por razões de trabalho, tive a oportunidade de estar perto de ambos, por algumas circunstâncias. E só lhes posso dizer que essas oportunidades me fizeram empatizar com determinados comportamentos e atitudes, mais do argentino do que do compatriota. Pensem o que pensem; para mim é inevitável comparar. Tenho direito de cultivar a virtude de não separar vida e obra (de qualquer artista). E isso é muito importante, nesse texto, para mim.
Para minha sorte, há duas palavras que se misturam (meu direito de opinião) com uma terceira palavra, Vida: Política e Sentimento.
Não separar Política (no sentido mais filosófico, clássico e abrangente, o “meramente viver em sociedade”) da palavra Vida, atribui ao futebol e ao esporte o lugar específico que EU estabeleço no meu viver. Para mim, ser coerente, é aplicar essa equação a Quase Tudo na minha vida. Ajuda-me, na hora de tomar cotidianas decisões (na vida que me desafia a qualquer momento), norteado por uma desesperada busca de ser ético, no dia-a-dia. E quem disse que eu quase sempre consigo? A Ética que eu busco, mais do que a que eu encontro, me ajuda em situações muito diversas. Como, por exemplo, naquela hora de lembrar daquilo tão básico como não querer para os outros o que eu não quero para mim mesmo.
Política é vida, portanto. Tanto quanto o futebol. E se eu não politizo por um lado, haverá quem sempre a politize para o outro. O presidente fascista de plantão, por exemplo.
Não há ponto neutro. A própria arena de debate é a vida. E também o que ocorre ao redor, muito mais que dentro, de um espetaculizado (não por mim) campo de futebol.
A outra importante palavra é Emoção. Tão negada na nossa formação patriarcal de vida. E como “patriarca” dessa família, desafio-me a negar permanentemente àquele papel (machista) que a vida me tentou atribuir. Aos filhos, se dá mais exemplo fazendo do que falando.
Quando minha racionalidade duvida de algo, estou aprendendo (evidentemente, ainda estou no caminho) a escutar o que diz a minha mais íntima emoção. Tive que aprender, para isso, que sentimento é algo que não se questiona de fora pra dentro. Escuta-se (com respeito), se empatiza (ou não) e se respeita, seja como for. Não se diz “não sinta isso!”. Pode até se dizer “eu não gosto do que você sente”, expressando o SEU sentimento. E desde aqui há um diálogo possível, ou não. Mas sentimento não se impõe, enfim.
Depois de toda essa filosofada (o que seria da vida sem a filosofia?), ficou mais fácil dizer que:
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Eu não sinto vontade nenhuma de torcer por essa selecinha (como bem definiu, faz tempo, o escritor e humorista João Simão). Porque antes de entrar no campo, ela já representa muitas outras coisas para o país. E o contexto interfere muito, sim.
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Não fui eu que politizei o futebol. Eu jogo o jogo (inerente à condição humana) da política, provocado pelos políticos. Por ação ou por omissão. Não é vida, o futebol?!
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O futebol não é só ópio, como a religião. Se eu admito que emociona todo um país (para o bem ou para o mal, como tudo na vida), pode conduzir a um êxtase coletivo de acomodar-se frente a um genocídio. Ou de indignar-se quando se apita o final do jogo.
Mas a pior lembrança, sempre sendo muito sincero, é o depoimento daquela menina, jovem estudante, torturada pela ditadura militar (o ovo da serpente que deu origem à atual cobra que temos como presidente; e que homenageia a ditadura a cada dia). Aquela que, depois de estuprada por vários patriotas do exército brasileiro, lhe aplicavam choque elétrico nos mesmos genitais acabados de serem violentados, ao som da rádio ligada durante a transmissão da Copa do Mundo de Futebol de 1970 – quando o Brasil foi tricampeão.
Pra ser sincero, eu quero que o Messi ganhe, por ela. Por aquela menina.
Até porque, em 1970 eu não havia ainda nascido. Mas agora eu estou vivo. E no meu Brasil, estar vivo é mais que isso: é sentir-se sobrevivendo (ao ditador de plantão).
E lamentando, enfim, reconhecer o privilégio de morar longe, em Barcelona. Cidade onde o lema principal do mais importante clube de futebol diz assim: “somos mais que um clube de futebol”. E, portanto, não nos peça para resumir futebol aos 90 minutos espetaculizados.
Pois afinal, tudo se resume a valorizar o que ainda temos, mais do que ficar lamentando o que não ter. Se o Brasil ganhar, lembrar da felicidade daquele mínimo brasileiro, que (“já que o Brasil ganhou”), tem também direito a um sorriso. Se ganhar a Argentina, felicidade também.
O importante é não esquecer que o dia tem 24 horas. E o jogo dura somente uma hora e meia.
Minha Mátria é a vida. Viva o Brasil (não Esse; O Que Virá!). Barcelona, 10 de julho de 2021.
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Flávio Carvalho é sociólogo, escritor e participante da FIBRA e do Coletivo Brasil Catalunya.
@1flaviocarvalho @quixotemacunaima.
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