Na semana passada, começou a funcionar na Câmara a comissão especial que analisa a “reforma” administrativa. Apresentada pelo governo Bolsonaro, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020 será relatada pelo deputado federal Arthur Maia (DEM-BA) e prevê o fim da estabilidade para os servidores públicos. Também amplia a participação da iniciativa privada na prestação de serviços como saúde, educação e segurança, cabendo ao Estado um papel complementar. Essas mudanças atingem as três esferas da administração pública – União, estados e municípios. Trata-se de uma inversão das atribuições definidas pela Constituição de 1988.
De acordo com o cientista político e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Wagner Romão, se mantida a versão do governo, a aprovação da reforma administrativa representaria uma “pá de cal” nos serviços públicos. Além dos próprios servidores, as camadas mais pobres da população seriam as mais prejudicadas, pois dependem desses serviços.
Servidores públicos em todo o país – exceto os da saúde – farão uma paralisação na próxima quarta-feira (23). O objetivo é chamar atenção para os prejuízos e riscos que a reforma administrativa deve trazer. Até mesmo os policiais, uma das bases do bolsonarismo, prometem lutar contra a proposta.
Estabilidade
“A estabilidade é muito importante. Sobretudo nos municípios, onde os servidores públicos podem ficar submetidos a pressões a cada troca de mandato. Se a reforma for adiante, podemos ter demissões e contratações ao bel-prazer do mandatário de plantão”, afirmou Romão, em entrevista ao Jornal Brasil Atual nesta segunda-feira (21).
A estabilidade continuaria valendo apenas para as chamadas carreiras típicas de Estado, ligadas a áreas como fiscalização e arrecadação de impostos, por exemplo. Professores, médicos e agentes de segurança poderiam ser demitidos a qualquer momento, o que inviabilizaria os investimentos na formação dos servidores, no sentido de garantir melhoria na prestação dos serviços. Combinada com a participação da iniciativa privada, a continuidade das políticas públicas seria colocada em xeque com essas medidas.
Concentração de poderes
Outro aspecto preocupante da PEC 32 é a eliminação da necessidade de autorização do Congresso Nacional para a criação, extinção, fusão ou transformação de entidades da administração pública, autarquias e fundações. Agências reguladores ou órgãos de controle ambiental, como o Ibama e o ICM-Bio, poderiam ser extintos com “uma canetada” do presidente, destaca Romão. Consequentemente, os servidores seriam dispensados.
Para o professor, este ponto específico reflete o caráter “autoritário” e centralizador do governo Bolsonaro, e também apresenta uma espécie de contradição. Idealizada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o espírito da reforma é neoliberal, buscando reduzir os gastos com o funcionalismo, diminuindo o papel do Estado. Nesse sentido, Romão destaca que a proposta de reforma administrativa também é inoportuna, pois, em função da pandemia, as demandas pela atuação estatal são ainda maiores.