Diário Liberdade – No passado sábado, centenas de milhares de pessoas encheram as ruas de até 80 cidades do Estado espanhol.
As maiores manifestações decorreram em Madrid e na capital dos Países Catalães, Barcelona. Alguns meios da imprensa comercial internacional chegaram a cifrar em 100.000 o número de participantes na primeira das cidades.
A Praça do Sol, que no ano passado se convertera em símbolo pelo acampamento que durante semanas manteve centos de pessoas a protestar e propor alternativas, encheu-se ontem completamente, ultrapassando a manifestação o local e ocupando as ruas adjacentes.
Um ano após aquelas jornadas a convocatória fazia sucesso em volume de participação. Sucesso que era consequência não do acaso ou da data, mas sim de uma continuação no trabalho que, embora não ocupou nesse tempo as capas internacionais, manteve debates, palestras, reuniões e toda classe de atividades a nível local e de bairros.
Mas os olhos ontem não estavam postos na própria manifestação –sabidamente exitosa desde antes de se produzir- mas sim nos momentos seguintes, isso é: noite do sábado e domingo, mais o que vier depois. Produzir-se-ia o desafio a um sistema que expressamente anunciara repressão?
E produziu-se. A hora limite marcada “legalmente” para a manifestação eram as 22:00 h. em Madrid. Vários milhares de pessoas permaneciam na Puerta del Sol a essas horas, e mais uma vez acamparam desafiando uma ordem ilegítima que pretendia criminalizar quem eventualmente a desrespeitasse.
E assim foi que de madrugada, passadas as 4:00 h. várias dúzias de carrinhas de fardados da polícia espanhola agiam desproporcionalmente contra um grupo de pessoas cuja resistência absolutamente pacífica consistia em não se mexer, contrastando com os insultos e violência das forças “da ordem”. Dezoito detenções e o despejo total do local. Na noite do domingo, 9 dessas 18 pessoas foram libertadas.
As outras nove enfrentarão, segundo fontes policiais, acusações de atentado, desobediência e resistência à autoridade. Entretanto, as pessoas presentes têm uma versão muito diferente: “era uma assembleia pacífica que foi despejada com uma violência desproporcionada”. Os e as leitoras podem julgar por si próprias/os no vídeo a seguir, que recolhe o momento da intervenção.
A ação tem uma finalidade clara: sabendo que o despejo não bastará para acabar com a mobilização, pretendem,criar desunião entre as e os manifestantes e focar a atenção sobre as respostas à repressão, tentando provocar uma resposta socialmente reprovada que legitime, aí sim, a criminalização e demonização do movimento.
Vídeo da repressão do sábado na Puerta del Sol
Hoje às 17:00 h convocava-se uma manifestação em protesto pela brutal ação policial de ontem. A manhã do domingo já não vinha isenta de exemplos da “democrata” tarefa policial, quem chegaram a proibir assembleias, recorrendo a que o direito de reunião é só até 20 pessoas.
Nesse contexto, quando são as 2:00 h. da segunda-feira (14) em Madrid, permanecem vários centos de pessas na Puerta del Sol, tentando estabelecer medidas e padrões de ação perante uma mais que provável nova repressão policial.
Num momento complicado
Dificilmente a data podia ser pior para a burguesia espanhola: a destruição dos serviços de saúde e educação públicas é evidente, e o aumento do desemprego e a pobreza está a fazer-se –ainda mais- patente nos últimos meses, com uma mobilização in crescendo, cristalizada numa greve geral no conjunto do Estado (29M), que se repetirá em junho na Galiza.
O último capítulo do saqueio capitalista vem com a queda do quarto maior banco (Bankia), cuja presidência ostentava o ex-ministro de economia espanhol Rodrigo Rato (PP), ex-presidente também do FMI, faz apenas uns dias. Bakia virá a receber dinheiro público e Rato passará sem problemas o trance -já se demitiu da presidência e, obviamente, não está previsto que enfrente responsabilidades penais. Há na classe trabalhadora um sentimento generalizado de escândalo com o assunto.
E por se fosse pouco, abala um dos poucos mitos que a oligarquia espanhola conseguia manter intato: o escândalo do Rei Juan de Bourbon, descoberto de caça na Botsuana no meio de uma selvagem crise, o julgamento ao seu genro Iñaki Urdangarín por corrupção e a vida pessoal do casal do Bourbon e Sofia da Grécia ameaçam dissipar os últimos fantasmas que protegem a monarquia, à qual se atribuía um suposto poder “mágico” para manter qualquer classe de estabilidade política no Reino.
São maus tempos também para a burguesia, que embora consiga por enquanto avançar nos seus planos, não tem tantas facilidades como gostaria.
Em Barcelona
Após o escândalo do ano passado na Praça Catalunya, com dúzias de agentes a surrar e espancar em manifestantes pacíficos, reproduzido em jornais, sites e televisões de todo o mundo, o governo catalão autorizou desta vez acampamentos até dia 15M.
Assim, desde a manifestação do sábado, vários centos de pessoas permanecem acampadas na praça Catalunya, avançando em debates e propostas que, como dito, não são a recuperação de um fio perdido no verão de 2011 mas sim a continuação da tarefa destes meses.
Mudança de estratégia do sistema
As mobilizações de 2011, com o PSOE de Zapatero no poder do governo imperialista espanhol, apanharam talvez por surpresa o sistema. A “experiência” e a atual ultradireita no governo, herdeira do franquismo, podem explicar a mudança na estratégia.
Em maio de 2011, uma jornada de manifestações com grande heterogeneidade de convocantes, e levantando sérios debates também no seio do anticapitalismo, dava pé a um acampamento na Praça do Sol de Madrid, com apenas umas dúzias de pessoas. O despejo violento de umas pessoas declaradamente pacifistas e o êxito que no dia anterior atingiram os protestos, originava uma resposta verdadeiramente massiva que tomava a praça sem se retirar.
O governo de Zapatero, naqueles lugares onde tinha competências policiais, não agia com a ferocidade própria do regime e permitiu as manifestações até elas se retirarem voluntariamente, com exceções pontuais em cidades de menor tamanho. Essas exceções, concentradas nos primeiros dias após o 15M, deram origem a respostas firmes e contundentes das e dos manifestantes, incluindo reocupações dos espaços despejados.
Em Barcelona (onde o governo catalão tem competências sobre as forças policiais) um despejo prematuro originava uma resposta histórica, até tal ponto que os fardados tinham que fugir sem consolidar o despejo, perseguidos e diretamente enfrentados por centos de pessoas.
O Partido Popular, herdeiro do franquismo e dirigido pelo espectro mais rançoso da ultradireita, fez campanha de oposição criticando o governo espanhol por ser alegadamente “mol” com os e as concentradas.
É assim que mais de 1,000 antidistúrbios da polícia espanhola foram situados desta vez, em 2012, nas redondezas da Puerta del Sol, e que se restringiu o direito de manifestação até às 22:00 h de sábado. Como era previsível, as e os “indignados” desafiaram o mandado e acamparam, derivando numa desproporcionada ação policial (ver vídeo anterior) que –tal como faz um ano- deu lugar a uma resposta multitudinária que acontecia até poucos minutos antes de redigir esta informação.
12M – 15M: a luta de classes reativa-se
Ao longo desses meses o heterogéneo 15M conseguiu vitórias concretas e verificáveis, frente a uma alegadamente difusa ação dos primeiros dias. Entre estas vitórias, conta-se o reforço da luta contra os despejos hipotecários –através da ação direta foram paralisados ou adiados muitos deles em cidades de todo o Estado-, enfrentamentos diretos com a polícia em batidas racistas que tiveram que ser paralisadas e, em geral, ter contribuído importantemente para o reforço das manifestações que estão a contestar os cortes da crise capitalista, principalmente em sanidade e educação. Isso além de ter conservado e aumentado a vitalidade de um movimento nascido com muitas dúvidas.
Amanhã faz um ano, uma manifestação que o regime considerava inócua, só mais uma via de escape das tensões sociais, convertia-se num problema cujo principal mérito foi, sem dúvida, quebrar com o consenso à volta da democracia burguesa e mobilizar faixas da população por longo tempo imobilistas.
Sem se constituir (ao menos pelo enquanto) na pretensa “revolução” nos primeiros dias proclamada, o 15M demonstra, um ano depois, ser um ponto de inflexão e a reativação, ou ao menos iminente reativação, da luta de classes em todas as faixas da população.
Fotos: 1 – El País – Manifestação no sábado em Madrid. 2 – Tomi Mori/Esquerda – Manifestação do sábado em Barcelona. Vídeo: Despejo da noite de sábado para domingo em Puerta del Sol (Madrid).