Por Paulo Eduardo Dias.
Os dois jovens que foram detidos na noite de sábado (8/5) na Avenida Paulista durante o ato convocado pelo Movimento Negro para denunciar e cobrar respostas sobre a chacina na Favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, que resultou na morte de 28 pessoas, durante uma operação da Polícia Civil na semana passada, foram soltos na madrugada deste domingo (9/5).
Moradores da periferia da zona sul, eles foram espancados e levados presos ao 78° DP (Jardins) por policiais militares do 7° Baep (Batalhão Especial de Polícia), sob a alegação de “desacato” e “resistência”.
Segundo os PMs, eles trabalhavam na contenção da manifestação, que contou com cerca de 300 pessoas, quando a dupla passou a “permanecer na frente dos agentes, prejudicando o trabalho de contenção policial, razão pela qual foram orientados a se acomodarem em local apropriado”.
Em seus relatos à Polícia Civil, os militares ainda sustentaram que, num primeiro momento, a dupla de amigos teria atendido o pedido, mas que passaram a xingar os PMs da viatura M-07114 com os dizeres “vai tomar no cu” e “essa viatura de merda”.
Após serem xingados por mais de uma vez, ainda segundo narraram à Polícia Civil, os PMs teriam dado voz de prisão à dupla por desacato. Eles também contaram que, “devido à resistência oferecida”, foi necessária a utilização de algemas. Essa informação consta no termo circunstanciado elaborado na delegacia sobre a prisão dos rapazes. Termo circunstanciado, ou TC, é um tipo de boletim de ocorrência produzido para casos mais simples.
A versão dada pelos jovens espancados pelos PMs do 7º Baep é bem diferente. À Ponte, um dos rapazes, que pediu para não ser identificado por temer represálias e que será chamado nesta reportagem com o fictício de Marcos, contou que eles não participam de nenhum movimento social e que foram à avenida Paulista porque “a chacina no Jacarezinho impactou”.
Munidos de álcool em gel e máscaras, eles decidiram registrar em fotos o contexto da pandemia no local, mostrando como vivem moradores de rua, pessoas trabalhando mesmo sob risco e outras tantas comendo em restaurantes espalhados pela avenida.
O ato já estava quase em seu trajeto final, nas proximidades da rua Augusta, quando a dupla resolveu tirar fotos em meio às viaturas estacionadas nas proximidades do Masp (Museu de Arte de São Paulo), já que policiais também estavam trabalhando em meio à pandemia.
Segundo Marcos, a intenção era publicar as fotos e relatos em um blog. “Nisso, me posicionei no meio de três viaturas para pegar o geral, não apenas as viaturas, mas toda aquela ambientação”. O estudante sustenta que, logo na sequência, foram abordados por um PM. “Ele falou que não poderíamos filmar”.
Marcos conta que passou a ser xingado de “pau no cu” e “valentão”. Disse ter apenas retrucado com um “volta para sua S10 [referência ao carro policial” e explicando que estavam ali “trampando”. “A gente não parou de tirar as fotos. Nisso, ele [o PM] ficou mordido”.
Foi nesse instante que, segundo Marcos, as agressões dos PMs começaram. “Foi até mim e me deu um murro. Depois que tomei uma rasteira e três murros, ele disse: ‘agora você está preso!’. Um deles me deu uma gravata e, na hora da gravata, pensei que ia morrer. Lembrei muito do George Floyd [homem negro morto há um ano nos Estados Unidos, após ser asfixiado com um golpe semelhante]”. Ele também citou que, enquanto era agredido, viu seu amigo Felipe apanhar de outro grupo de policiais.
Os golpes conhecidos como “gravata” ou “mata-leão”, nomes populares da “chave cervical”, estão proibidos de serem aplicados por policiais militares de SP desde julho de 2020.
À Ponte, Felipe, também um nome fictício, contou que registrava imagens quando os policiais militares passaram xingá-lo de “maconheiro” e já vieram em sua direção. “Quando passaram a bater no meu amigo, pensei em começar a gravar, mas um policial pegou meu celular e o trucidou. Gritei porque era meu instrumento de trabalho”. Felipe afirmou que não sabe o paradeiro do aparelho, mas suspeita que ele tinha sido destruído por conta da força usada em sua imobilização.
Marcos ainda relatou que, com medo de ser morto, ajoelhou e passou a gritar “estou rendido”, “estou rendido”. Foi quando os policiais o algemaram e o jogaram na viatura. Porém, antes de que a porta do camburão fosse fechada, ele relata ter tomado mais um soco no rosto.
No fim da noite de sábado (8/5), a Ponte percorria a avenida Paulista à procura de informações sobre os dois rapazes, quando uma pessoa afirmou ter um registro em vídeo das prisões. As imagens mostram um homem deitado na Paulista, com policiais em cima dele, e um outro homem, em pé, sendo imobilizado por um grupo de policiais militares. A gravação, rapidamente veiculada nas redes sociais da Ponte, serviu para confirmar que, de fato, haviam ocorrido as prisões de Marcos e Felipe, até então não confirmadas pelas autoridades.
PMs prendem dois manifestantes na avenida Paulista, neste momento, já perto do término do protesto contra a #ChacinaDoJacarezinho Ambos foram levados para o 78º DP (Jardins) #filmeapolícia #celularemlegítimadefesa pic.twitter.com/TBLE5WufkO
— Ponte Jornalismo (@pontejornalismo) May 8, 2021