Por Tiago Pereira.
O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta afirmou nesta terça-feira (4), em depoimento à CPI da Covid, que não partiu do Ministério da Saúde a ordem para que o laboratório do Exército produzisse cloroquina em larga escala. Além disso, ele afirmou que o presidente Jair Bolsonaro contava com “assessoramento paralelo” sobre questões relativas a medidas de distanciamento social e o uso de medicamentos no combate à doença. Sem citar nomes, Mandetta disse que “os filhos do presidente” faziam parte dessa equipe paralela.
Ele citou, inclusive, um encontro com outros ministros, e “pessoas alheias” ao seu ministério, em que havia um documento não oficial solicitando que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mudasse a bula da cloroquina. A intenção era incluir a recomendação para o tratamento de pacientes contaminados pelo novo coronavírus. Mas a proposta acabou vetada pela agência. “A ordem não partiu do Ministério da Saúde”, disse Mandetta, em resposta ao senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI. “A única coisa que o ministério fez foi recomendar para o uso compassivo, aos pacientes graves, em uso hospitalar. Mesmo porque é uma droga que a margem de segurança dela é estreita”, acrescentou o ex-ministro.
Mandetta concordou com a grande maioria dos médicos e pesquisadores que a automedicação com cloroquina tenderia a ser “muito perigosa”. Por outro lado, ele afirmou que o ministério da Saúde contava com estoques suficientes do medicamento para utilização no combate ao lúpus e à malária. “Não havia necessidade de nova produção, pois tinha estoque suficiente, mesmo se usado em ambiente hospitalar”.
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Ele também afirmou que chegou a escrever uma carta a Bolsonaro em defesa do isolamento. A mensagem foi entregue em uma reunião com outros ministros no Palácio do Alvorada. “Era muito constrangedor para um ministro da Saúde ter que ficar explicando que nós estávamos indo por um caminho, e o presidente por outro. “, afirmou.
Também disse que alertou o presidente e outros ministros sobre a importância da política de isolamento social e confirmou que houve discordância. “Todas as recomendações as fiz com base na ciência, a vida e a proteção. Eu as fiz nos conselhos de ministros e diretamente ao presidente”.
O ex-ministro disse que levou ao presidente um cenário que projetava 180 mil mortes ao final de 2020, se as medidas de isolamento não fossem adotadas. Ele afirmou que, nas reuniões ministeriais, não houve “discussões ríspidas”, e que Bolsonaro parecia entender as suas recomendações. Mas logo depois agia na contramão das medidas propostas.
À CPI da Covid, Mandetta afirmou também que o presidente passou, então, a defender o “isolamento vertical”, sugerindo que apenas idosos e pessoas com comorbidades deveriam ficar em casa. Mas o ex-ministro alegou que não lhe foi apresentada nenhuma orientação para a implementação dessa estratégia.
Testagem e atendimento
Perguntado sobre a política de testagem em massa, afirmou que chegou a encomendar a aquisição de 24 milhões de testes, que seriam processados por um pool de laboratórios. Os resultados seriam encaminhados ao paciente através de um aplicativo. Ele afirmou que esses kits foram recebidos pelo ministro Nelson Teich, que o sucedeu no comando da pasta, em meados de abril. “Depois soube que essa estratégia não foi utilizada”, afirmou à comissão.
“Tínhamos claramente um caminho. Iriamos testar, testar e testar. Para bloquear o máximo possível os contágios. E iriamos tratar via atenção primária, além de ampliar a rede de atendimento hospitalar. Essa era a maneira que nós focávamos. Não tomamos nenhuma medida que não tenha sido pela ciência. A posteriori, vimos pararem muitas coisas, sem colocar outras no lugar. A testagem foi uma delas.
Guerra de narrativas
Mandetta negou à CPI da Covid que tivesse orientado que apenas pacientes graves procurassem atendimento hospitalar. Segundo ele, nos meses de janeiro e fevereiro, quando não havia transmissão comunitária no Brasil, ele disse ter dado a orientação para que as pessoas não procurassem a rede hospitalar, pois se tratavam de pessoas contaminadas com outros tipos de vírus de gripe. “Para viroses a orientação sempre foi evitar a ida ao hospital. Porque aglomera. E se tiver um paciente com o vírus, contamina quem está na sala de espera. Tenho percebido essa afirmação ser repetida. E tenho percebido que é mais uma guerra de narrativa. Todas as orientações foram para que os pacientes dessem entrada no sistema de saúde.