Por Roberto Liebgott.
Na quinta-feira, dia 15 de abril de 2021, quando, em visita à comunidade Mbya Guarani, Pindó Poty, no Lami, em Porto Alegre/RS, fui informado, pelo cacique Roberto Ramires, de que os Juruá, os brancos, continuam loteando a terra onde eles estão vivendo, uma terra que teve o procedimento de demarcação iniciado, pela Funai, no ano de 2012. Tomei a decisão de fotografar o local invadido e informar ao Ministério Público Federal/MPF acerca da continuidade do esbulho na área indígena.
Ao chegar no local indicado, verifiquei o aumento da área desmatada e que já haviam, mesmo depois de denúncias formalizadas à Funai e ao MPF, aumentado o número de construções dos barracos. Me deparei, além disso, com pessoas que naquele exato momento estavam roçando a área e fincando estacas para a marcação dos lotes. Um dos homens ao me ver, se aproximou e de imediato o indaguei se ele sabia que aquela terra era indígena. Calmamente me respondeu que sabia. Eu então, em sequência, o questionei: Se sabe que a área é particular por que a estão loteando? Ele, muito mais calmamente ainda, como que sussurrando, disse que estavam cuidando do lugar.
Como eu me encontrava muito próximo desse sujeito, que portava um facão numa das mãos e a outra encontrava-se apoiada ao cabo de uma foice, considerei ser prudente fazer algumas fotos do flagrante, me retirar do mato e denunciar os fatos aos órgãos competentes.
A invasão naquela área vem ocorrendo de forma sistemática. O que me surpreendeu agora foi o fato de a luz do dia e diante dos olhos de todos, estarem desmatando a área, construindo barracos, fincando as estacas e cercas. Ou seja, estão demarcando toda a área em lotes clandestinos e provavelmente, agora, estejam lá colocando mais barracos, iguais aos registrados nas fotos.
A comunidade apresentou várias denúncias das invasões ao MPF. O procurador informou que acionou a Funai e que o representante do órgão indigenista alegou não poder fazer nada porque a terra não foi demarcada. Ou seja, servidor da Funai lavou as mãos e, com esse gesto, mantém os Guarani submetidos a uma violência cotidiana.
Assim como eu relatei esses fatos ao MPF de Porto Alegre, o farei a DPU- Defensoria Pública da União. Penso que o movimento indígena, as entidades indigenistas, as demais organizações de apoio e os Conselhos Estaduais dos Povos Indígenas e dos Direitos Humanos precisarão agir firmemente para impedir o loteamento do restante da área e exigir a imediata retirada dos invasores para, com isso, evitar a violência contra a vida dos Mbya Guarani. As famílias da comunidade, que lá vivem, estão em situação de absoluta vulnerabilidade, dado que a aldeia se encontra nas margens da estrada.
Por fim, não se pode deixar de considerar que o processo de loteamento daquela área tem vínculo com interesses econômicos que transcendem as pessoas pobres que lá estão instalando barracos improvisados. Naquele local, há grande fluxo de pessoas, veículos e, bem em frente a área indígena, instalou-se um enorme empreendimento econômico chamado de Bom Lami, com supermercado, agropecuária, madeireira e lojas comerciais das mais diversas. E há, além desse fato, a expansão da cidade de Porto Alegre para a zona rural e os indígenas vêm sendo acusados de ocuparem as chamadas “áreas nobres” da capital e, com isso, impedem a expansão imobiliária e o desenvolvimento.
Saliento, uma vez mais, de que se os órgãos responsáveis pela defesa dos direitos indígenas e pela fiscalização ambiental não agirem imediatamente, lavarem as suas mãos, os Mbya Guarani serão expulsos, a terra devastada e os homens ricos vão acumular, sobre as cinzas da destruição ambiental e do sangue indígena, mais fortunas.
A área Pindo Poty, no Lami, em Porto Alegre, da Comunidade Mbya Guarani, está literalmente sendo loteada na luz do dia e sob os olhares de toda a população do bairro. O MPF e a Funai foram informados, mas nenhuma medida acabou sendo adotada. Ou os órgãos responsáveis atuam, de modo urgente, ou as famílias da comunidade serão expulsas, pelos invasores, de dentro de suas próprias casas. Já se fez três denúncias ao MPF e Funai, mas, por incrível que possa parecer, a invasão persiste e agora de modo escancarado. Talvez, se esperar mais uma semana, seja tarde demais. As fotos tiradas no local, pela equipe do Cimi Sul, mostram os invasores roçando, cercando e construindo mais barracos dentro da área indígena.
Ao que tudo indica, a invasão visa liberar a área para loteamento futuro, no sentido de legitimar empreendimentos imobiliários e comerciais.
15 de abril de 2021/Cimi Sul-Equipe Porto Alegre.
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Roberto Antônio Liebgott é Missionário do Conselho Indigenista Missionário/CIMI. Formado em Filosofia e Direito.
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