Por Paulo Nogueira Batista Jr.
Que mês, leitor, acabamos de vivenciar! Março de 2021 entrou para a história brasileira. Não me recordo de termos passado por um mês tão agitado em termos sociais, econômicos e políticos. O mais impressionante, claro, foi o agravamento alarmante, para não dizer aterrorizador, da crise de saúde pública associada à Covid-19. Não preciso descrever o quadro, que é de conhecimento geral.
A propagação descontrolada do vírus, com aumento exponencial do número de casos e mortes, acabou de enterrar as chances de uma recuperação significativa da economia brasileira. Uma economia que já não vinha bem sofreu mais um baque. É verdade que as projeções ainda estão indicando crescimento econômico em 2021. A pesquisa semanal feita pelo Banco Central junto a bancos, empresas não-financeiras e consultorias registra expectativa mediana de um aumento da ordem de 3% para o PIB. Esse dado é enganoso, porém. A taxa interanual (ano calendário sobre ano calendário) carrega um carry-over (herança estatística) de cerca de 3,5% em 2021. Isso significa que uma taxa de crescimento de 3% corresponderia a uma queda da atividade ao longo do ano. Ou seja, comparando-se o quarto trimestre deste ano sobre o mesmo período do ano passado haveria pequena redução do PIB.
Com a economia em retração, o mercado de trabalho sofre inevitavelmente. O desemprego, o subemprego e o trabalho precário estão em níveis recordes e devem aumentar, pelo menos no curto prazo. O desemprego aberto, definido de forma restrita, atinge mais de 14 milhões de brasileiros. A taxa de desocupação chegou a 14,2%, a mais alta da série histórica do IBGE iniciada em 2012. A pobreza e a miséria se espalham pelo país. A única chance de reverter esse quadro – a ampla e rápida vacinação da população – não está no horizonte imediato. Uma tragédia.
É preciso ressalvar que diversos países, até mesmo desenvolvidos, também não estão se saindo nada bem no enfrentamento da pandemia. O Brasil não é o único fracasso. Foram significativos, por exemplo, os tropeços de países da União Europeia. Qualquer governo brasileiro, por melhor que fosse, teria grande dificuldade de fazer face à pandemia.
Mas quem se anima a negar que o governo Bolsonaro tem sido de uma incompetência singular? Incompetência criminosa que está levando a centenas de milhares de mortes. Mortes que poderiam ter sido evitadas. Coube-nos desgraçadamente viver a maior crise da nossa história com o pior governo da nossa história.
O presidente da República é visto por um número crescente de brasileiros, e com razão, como o principal responsável pela tragédia. Bem sei, leitor, que as pesquisas de opinião ainda estão indicando apoio ao governo. Algo como 25% a 30% dos entrevistados consideram Bolsonaro bom ou ótimo como presidente, o que é estarrecedor, considerando tudo que aconteceu. Porém, esse apoio está em queda desde o início do ano e deve continuar caindo.
Na política, a reviravolta em março foi dramática. As decisões favoráveis a Lula no Supremo Tribunal Federal recolocaram o ex-presidente no tabuleiro político, elegível, com direitos políticos recuperados. Lula aparece, de repente, no favorito para as eleições de 2022.
Enquanto isso, o governo federal, que parecia forte em fevereiro, está nas cordas. Ficou claro que boa parte das camadas dirigentes brasileiras se deu conta, ainda que com atraso verdadeiramente inacreditável, do desastre que Bolsonaro representa para o País. A carta aberta sobre a crise de saúde pública com severas críticas à atuação do governo, assinada por banqueiros, empresários e economistas, é um sinal disso. A turma da bufunfa teve um acesso de lucidez. A demora é indesculpável, claro. Paciência. Como dizia aquele letreiro de motel na Barra da Tijuca, antes à tarde do que nunca.
Importante notar, também, que a mídia corporativa, ou a maior parte dela, se descolou do governo. Tenta-se ainda preservar Paulo Guedes e a sua agenda econômica, mas com convicção decrescente. Como não reconhecer que atuação do ministro da Economia se caracteriza por uma mistura altamente problemática de ideologia radical com inépcia política e administrativa? Fica cada vez mais difícil ignorar que o fundamentalismo ultraliberal da equipe econômica é parte integrante do desastre. Não é por acaso que Guedes é ministro de Bolsonaro.
A base de apoio parlamentar do governo parece abalada e talvez tenha começado a se desfazer. O centrão, que é a peça-chave, dá indicações de que poderá abandonar o barco bolsonarista. O presidente da Câmara, Arthur Lira, chegou a ameaçar o governo com “remédios políticos amargos, alguns fatais” se continuarem os erros “primários, desnecessários e inúteis”. Um lembrete de que o centrão não carrega alça de caixão.
Para culminar, veio à tona uma crise militar, levando a substituição do ministro da Defesa e dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, que relutavam a subordinar-se incondicionalmente aos desatinos do presidente da República. O apoio das forças armadas, que parecia o principal trunfo do governo, já é incerto, para dizer o mínimo.
Tudo isso é muito positivo. Bolsonaro não foi nocauteado, mas está cambaleante. É bem possível que não sejamos obrigados a esperar as eleições de 2022 para nos livrarmos deste governo lastimável e perigoso para o País.
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Versão ampliada de artigo publicado na revista “Carta Capital” em 02 de abril de 2021.
O autor é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, começou a circular em março de 2021.
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