Em tempo de crise, mulheres são primeiras a serem demitidas, diz economista do Dieese

Para Milena Prado, pandemia fez mulheres concentrarem trabalho produtivo (home office) e reprodutivo (familiar) em casa

Foto: Andre Coelho

Após um ano de pandemia no Brasil, os efeitos das crises econômica e sanitária continuam afetando a vida das mulheres de diversas formas, desde a saída do mercado de trabalho até o aumento do volume de atividades domésticas por causa da concentração das famílias em casa no período de isolamento social.

Para entender melhor quais são esses impactos, o Brasil de Fato Pernambuco entrevistou a economista e representante, em Recife, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Milena Prado.

Confira a entrevista a seguir:

Brasil de Fato: Milena, de acordo com os últimos dados do Caged [Cadastro Geral de Empregados e Desempregados], em Pernambuco, 99% das vagas de emprego perdidas no estado eram ocupadas por mulheres. O que significa esse número tão alto de saída das mulheres do mercado de trabalho? 

Milena Prado: Esse dado não pode ser olhado de maneira alguma como uma estatística. Ele está, na verdade, baseado em como se estrutura o trabalho na sociedade brasileira, em como o trabalho das mulheres se dá. Como elas se inserem no mercado de trabalho e qual a razão dessa desigualdade, já que, quando se tem uma dificuldade de geração de trabalho, são as mulheres que em geral saem do mercado de trabalho. Isso tem base na divisão sexual do trabalho.

A inserção das mulheres no mercado enfrenta muitas barreiras, desde a hora que ela precisa sair de sua residência, de delegar o trabalho doméstico para outras mulheres e ter condições de exercer sua jornada de trabalho… No momento em que a economia entra em crise, em geral elas são as primeiras a sair do mercado de trabalho. São as que têm salários menores, são as que não podem enfrentar as jornadas de trabalho que o mercado exige. Elas têm um trabalho mais flexível por causa da relação de cuidado que cai sobre elas nessa sociedade, e a economia não deixa de ser patriarcal e machista porque, nessa hora, são as mulheres que são demitidas.

Outra razão para esse comportamento do mercado de trabalho é baseado nesse setor de serviços e de comércio, que deve ter demitido muito nesse momento, e as mulheres estão mais presente nesses setores. Então, na hora em que você tem um refluxo dessas atividades econômicas deste setor, ele vai rebater sistematicamente sobre as mulheres, porque são elas que estão presentes nessas atividades econômicas.

Então tem todo esse funcionamento correlacionado com a divisão sexual do trabalho, os setores de atividade econômica onde as mulheres estão mais presentes e essa razão de como a sociedade patriarcal se comporta nesse momento. A pandemia traz essa característica ainda mais perversa para as mulheres.

A gente sabe que as mulheres, estatisticamente, são as chefes de família e responsáveis pelos trabalhos de cuidados e domésticos. Nesse contexto de pandemia, como você avalia o aumento da dupla jornada de trabalho das mulheres?

Isso é um aspecto muito interessante que a gente tem discutido em vários espaços de organização, nos movimentos de mulheres, feminista, das economistas que pensam uma economia feminista, com um outro olhar para a economia, porque é superimportante olhar para a economia com esse olhar de que nossa sociedade esta dividia em classes e não só, ela se estrutura na base das desigualdades, da relação das desigualdades de classe gênero e raça.

A pandemia escancarou essas contradições, não só as do trabalho, que a classe trabalhadora vive, mas as que estão no âmbito dessa divisão sexual do trabalho, da questão de gênero e também da questão de raça. Esses elementos são estruturadores da nossa sociedade patriarcal, machista e racista, esses elementos se exacerbaram. A pandemia trouxe as mulheres para o centro do cuidado. Nós já fazemos esse trabalho de cuidado permanentemente nas nossas vidas, não só o trabalho doméstico, mas o trabalho do cuidado também com a família.

Por que a pandemia trouxe às mulheres para o centro do cuidado? Porque são elas as responsáveis pelos cuidados, elas tiveram que voltar para casa para fazer o cuidado das famílias que estavam em isolamento. Quando nos isolamos, as mulheres que estavam em home office, as que puderam fazer esse trabalho remoto, elas tiveram que acumular todo o trabalho, não só o produtivo, que é o do home office, mas o reprodutivo, que é o trabalho com a casa.

A gente precisa tirar do anonimato o trabalho da reprodução da vida, dos cuidados, dos afazeres. Indo para a questão da violência, as mulheres são uma posse desses relacionamentos familiares. Tanto é que quando elas tentam sair dessas relações de poder elas acabam sofrendo violência.

Técnica do Dieese, Milena (ao centro) explica como a crise retirou mulheres do mercado formal, aumentou a carga de trabalho doméstico e aprofundou desigualdades / Antônio Carlos

Outro elemento é o crescimento do mercado de trabalho informal. Essas mulheres que foram demitidas dos seus postos de trabalho acabam recorrendo ao mercado informal e ao setor de serviços para garantir a renda dessa família. Como esse cenário de incerteza na renda e na jornada de trabalho informal altera a vida dessas mulheres?

A gente tem dados sobre trabalho, emprego, informalidade, e nesse período de pandemia, as mulheres nunca deixaram de gerar renda. As que fazem parte do mercado formal ou mais estruturado, as que não foram demitidas, puderam manter sua renda e seu trabalho no domicílio. Menos as profissionais da saúde, que tem um forte contingente de mulheres, mas que também puderam manter sua renda e estão exercendo suas atividades dentro de todos esses cuidados e protocolos.

Aquelas que estavam na informalidade, já viviam desse trabalho informal, sem nenhuma relação contratual, sem nenhuma proteção social, sem vínculo, garantia ou perspectiva da realização desse trabalho para a frente. A grande maioria das trabalhadoras por conta própria nesse cenário de pandemia e isolamento não teve outra coisa que não a saída do mercado de trabalho e a inexistência da geração de renda. É um setor que quando se olha tem uma forte presença de mulheres. Essa presença massiva das mulheres nesse lugar fez elas deixarem de gerar renda, então essas mulheres no período de pandemia entraram numa situação de extrema pobreza, numa situação extremamente precária.

A política pública conseguiu atender parte dessas mulheres. Quantas mulheres conseguiram acessar o auxílio emergencial? nesse período de auxílio, alguma proporção dessas mulheres teve apoio financeiro para passar esse período, mas o auxílio acabou. Para essas mulheres que tiveram algum aporte financeiro através do auxílio, o programa de renda mínima é extremamente fundamental, principalmente quando agente pensa na vida das mulheres que são chefes de domicílio, das famílias monoparentais. A única alternativa dessas mulheres é a política pública nesse momento. Com a saída dessa política, a vida dessas mulheres é inimaginável, como elas estão sobrevivendo nesse período?

O Dieese está dentro de um projeto em Pernambuco onde a gente estava discutindo a cadeia da moda. E a gente sabe que esse setor tem forte presença das mulheres. A partir desse evento podemos dimensionar o significado disso para as demais mulheres. Nesse projeto fizemos uma ação emergencial para saber como estavam vivendo as mulheres do polo de confecção e neste momento e a maioria delas estava passando fome, porque os municípios tiveram que colocar seus recursos para o enfrentamento da pandemia, então os recursos não eram suficientes para distribuir por exemplo uma cesta básica, muitas mulheres deixaram de receber cesta básicas dos municípios e a gente tá falando das que estão no polo de confecções do Agreste. Muitas que se arriscaram a sair tiveram covid-19, levaram para suas casas ou vieram a óbito e nós sabemos como isso atinge essas mulheres que não tem outra alternativa, na informalidade, sem a política pública efetivamente presente. Tiveram que colocar as vidas em risco para garantir sobrevivência de suas famílias.

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