Por Aldo Anfossi. Tradução: Beatriz Cannabrava.
A Promotoria do Chile formulou acusações penais por “homicídio simples” contra o segundo sargento de Carabineiros que na passada sexta-feira, dia 5, disparou seis tiros dando morte ao artista de rua Francisco Martínez Romero (27 anos), na cidade de Panguipulli, 800 quilômetros ao sul de Santiago, quando este resistiu a um “controle de identidade” e se atirou contra o policial brandindo as facas com que realizava seus malabarismos.
Segundo o promotor regional de Los Ríos, Juan Agustín Meléndez, o sexto disparo – que resultou ser mortal ao penetrar no coração da vítima – não era necessário porque foi dado quando Francisco Martínez jazia no chão ferido, de modo que foi “um disparo desnecessário (…) que excede a necessidade racional para repelir a agressão”.
O promotor relatou que o malabarista – cujos funerais foram realizados nesta segunda-feira em Santiago – resultou com sete ferimentos, quatro por ingresso de projéteis em diferentes partes do corpo e três por orifícios de saída.
Foi preciso o transcurso de três dias desde o crime e múltiplos protestos sociais, alguns de grande violência como a queima de dez edifícios municipais e governamentais em Panguipulli, para que o presidente Sebastián Piñera rompesse seu silêncio a respeito, obviamente lamentando os fatos e respaldando o Carabineiro que alega “legítima defesa” e defendendo o controverso “controle de identidade”: aquela faculdade arrogada à polícia que sem expressão de causa pode forçar a qualquer um maior de 14 anos a se identificar, sob pena de ser detido por negar-se a isso ou por não portar documento de identidade.
Mas os fatídicos acontecimento puseram uma vez mais em foco a habitual violência com que age a polícia militarizada chilena, particularmente com os jovens, e a necessidade urgente de uma reestruturação e/ou refundação para a desacreditada organização, que viu desaparecer a aprovação superior a 60% de que gozava.
“Desde o explosão social de 2019 em diante, a sensação principal é que há uma instituição que ninguém governa, que faz o que tem vontade, que justifica as coisas como quer e que finalmente sempre corta os problemas pela parte mais fraca, que neste caso seria o segundo sargento, que fique como que ele se equivocou, cometeu um erro e pronto. É o que faz com que se perca a confiança”, diz Lucía Dammert, socióloga, acadêmica da Universidade de Santiago, especialista em temas de segurança, crime e governabilidade na América Latina.
A respeito do controle de identidade, assinala que “há um uso descontrolado dessa ferramenta que tem levado a que se fiscalize permanentemente pessoas que não estão vinculadas a delitos”.
“De dois milhões de controles anuais passou a mais de cinco milhões em 2020 e agora podemos chegar a sete milhões. É um problema que trará cada vez mais níveis de violência. E neste caso específico, temos uma tempestade perfeita: é provavelmente um jovem que tem uma relação distante com a polícia, que não confia nela, que se enfrenta e uma polícia que no marco do procedimento em pleno centro da cidade não responde bem quando o ferem, mas que vão embora, nem sequer chamam uma ambulância, nada”, analisa.
“Aqui estão expostas uma vez mais as falências internas dos procedimentos, dos protocolos, dos códigos de silêncio; problemas que visibilizam o pouco que se fez desde outubro de 2019, realmente muito pouco, porque o poder político só se lembra dos temas de segurança quando há escândalos”, agrega.
Dammert precisa que embora a confiança nos Carabineiros tenha sido historicamente alta na média, cai nos setores populares e mais ainda entre os jovens “porque é com eles que se exerce um maior nível de discricionaridade”. Essa confiança diminuiu porque nos últimos anos a resposta diante de temas delictivos é cada vez menor, ao mesmo tempo que crescem as denúncias de corrupção pontuais que depois se convertem em sistemáticas e institucionais e pela percepção constante do uso excessivo da força.
Carabineiros se converteu em foco da raiva cidadã porque “é efetivamente uma autoridade violenta”, pela incapacidade que tem de reconhecer erros e “porque finalmente a política não os governa”.
Na tarde de segunda-feira se tomava conhecimento de outro fato trágico relacionado com os Carabineiros; um jovem que no fim de semana foi detido em um controle de identidade e atirado em um calabouço em uma delegacia na Comuna de Pedro Aguirre Cerda, em Santiago, foi encontrado morto dentro da cela, supostamente suicidado por enforcamento.
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