A luta do movimento indígena em todo o país assegurou a Educação Escolar Indígena específica e diferenciada como um direito, regulamentada por extensa legislação. Trata-se de uma conquista que contribui para romper com a prática colonialista e escravista, marcada pela desestruturação das relações do cotidiano e modos de vida dos povos originários e pela repressão à sua produção de saber. Simultaneamente, é um instrumento que pode fortalecer suas práticas socioculturais milenares e suas línguas, através da escola e de seus processos educativos, fortalecendo sua identidade, seus valores, regras e sua cosmovisão perante a sociedade brasileira.
A Educação Escolar Indígena está legalmente ancorada na Constituição Federal de 1988, na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, ratificada, no Brasil, em 2004, na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 da Organização das Nações Unidas (ONU) e na Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas de 2007.
É igualmente referendada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), de 1996, regulamentada também através do Referencial Curricular – RCNEI de 1998, por meio de duas resoluções da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (Res. 03/1999 e Res. 05/2012) e Decreto 6.861/2009, que reconhece a escola como territórios etnoeducacionais e nas Metas e Estratégias do Plano Nacional da Educação Escolar Indígena, compondo assim as Diretrizes Curriculares da Educação Escolar Indígena.
Os dados do IBGE (2010) registram 869.917 mil indígenas pertencentes a 305 povos, falantes de mais de 219 línguas. Quanto aos dados educacionais, há no Brasil 250.853 alunos matriculados em 3.297 escolas indígenas da educação básica, nas quais atuam 21.161 docentes, entre indígenas e não indígenas, e 57.000 estudantes indígenas matriculados no ensino superior (INEP/MEC, 2017).
Entretanto, a despeito da conquista, é perceptível a sistemática violação desse direito. A Educação Escolar Indígena, almejada por muitos povos originários, que veem, na educação, um instrumento de luta e valorização de sua cultura, ainda não venceu os desafios de superar o descompasso e as lacunas existentes entre a legislação e as políticas implementadas.
O Brasil tem andado na contramão desses preceitos legais, com a retirada e violação de direitos fundamentais em todos os âmbitos, opondo-se às políticas educacionais com os cortes nos investimentos em todos os níveis e dimensões do ensino. Essa realidade é agravada pela pandemia do novo coronavírus, pela ameaça constante da suspensão dos contratos de trabalho dos professores indígenas, haja vista a inexistência de concursos para docentes indígenas nos últimos tempos, assim como pelo falecimento de dezenas de professores em decorrência da Covid-19, tornando as condições de trabalho deploráveis, em que as escolas buscam manter suas atividades e o vínculo educativo com os alunos.
Dentre os ataques voltados ao desmonte das políticas públicas para Educação Escolar Indígena em todos os âmbitos (união, estados e municípios) estão:
Ausência de concurso público e planos de carreira para o magistério indígena, uma vez que os professores indígenas possuem, em sua maioria, contratos temporários de 12 meses e sem estabilidade funcional;
Admissão de professores não indígenas atuando em escolas indígenas, descumprindo assim o que determina os preceitos legais dos territórios etnoeducacionais;
Rotatividade dos docentes nas escolas, dificultando, por sua vez, a implementação de políticas curriculares que atendam às necessidades das comunidades;
Pouco ou nenhum investimento em infraestrutura e na confecção de material didático-pedagógico específico e diferenciado, a fim de atender as especificidades locais;
Ausência de transporte escolar que assegure o deslocamento de estudantes, oriundos de aldeias mais distantes e ou de áreas não homologadas, em direção às escolas indígenas;
Cortes nos investimentos para formação inicial e continuada de docentes e demais profissionais de Educação Escolar Indígena;
Desmonte na política de interlocução e de implementação de programas educacionais;
Interrupção do diálogo com os representantes regionais da Educação Escolar Indígena, reunidos nos Fóruns Estaduais e no Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena;
Cortes orçamentários e consequente desmonte nas políticas de reserva de vagas aos indígenas para acesso aos cursos de Graduação e Pós-Graduação em nível de Mestrado e Doutorado;
Retirada do assento de um(a) educador(a) indígena para uma das vagas do Conselho Nacional de Educação. Descumprimento das Diretrizes Curriculares, metas e estratégias dos planos nacional, estaduais e municipais da Educação Escolar Indígena;
Inexistência de um Subsistema de Educação Escolar Indígena que estabeleça diretrizes gerais e regulamente o funcionamento das escolas nos estados e nos municípios;
Desrespeito à autonomia escolar, pois verifica-se, em vários estados, uma reiterada ingerência das secretarias estaduais e municipais de educação na organização das escolas indígenas. Essas ações impedem e/ou restringem o legítimo exercício da autonomia por parte dos profissionais da Educação Escolar Indígena, impactando na definição e no cumprimento do calendário letivo, no planejamento anual, na definição das atividades didático-pedagógicas e nas escolhas de seus próprios gestores.
Portanto, vários são os ataques desferidos contra o direito à Educação Escolar Indígena. Os territórios etnoeducacionais estão sendo violentados pelo modelo capitalista de produção e reprodução, balizado pela individualização, competição, hierarquização, seleção dos melhores e relações verticais entre professore(a)s e estudantes.
Com informações de PCB.
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