Bolsonaro: Armas para o “cidadão de bem” e licença para matar em GLO’s

Em discurso nesta quinta-feira (4), após conversa com presidentes eleitos no Congresso, Jair Bolsonaro retoma posição firme a favor de armas e ampliação do excludente de ilicitude.

Foto: Reprodução Vermelho
Por Rodrigo Abdalla.

O fascínio de Jair Bolsonaro por guerra e conflitos não é novidade. Ele nunca escondeu o apreço por violência e brutalidade policial, servindo-se do conservadorismo quanto à segurança pública para se eleger em 2018. Na tarde desta quinta-feira (04), o presidente voltou a falar em excludente de ilicitude e maiores facilidades na regularização de armas para civis.

No discurso em Cascavel (PR) durante a inauguração de obra pública, Bolsonaro anunciou que as mudanças no excludente de ilicitude e posse de armas serão debatidas em breve no Congresso Nacional.

“Eu pretendo colocar em votação, já acordado e conversado com os presidentes da Câmara e do Senado, e vai passar pelo parlamento, o excludente de ilicitude.”, afirmou Bolsonaro.

O presidente tentou emplacar a agenda ainda no primeiro ano de mandato, quando o então Ministro de Segurança Pública, o ex-juiz Sergio Moro, apresentou um “pacote anticrime” que continha uma nova interpretação do excludente de ilicitude.

Atualmente, o excludente de ilicitude previsto no Código Penal estabelece circunstâncias específicas em que crimes praticados pelas forças de segurança podem ser atenuados ou desconsiderados. Entre elas, constam o estrito cumprimento de dever legal (policial que atua para evitar assassinato), em legítima defesa e em estado de necessidade (roubar comida para alimentar os filhos. A lei, entretanto, prevê que quem pratica esses atos pode ser punido se cometer excessos.

O projeto apresentado em 2019 por Moro permitia ao juiz reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se esse excesso “decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. A subjetividade da definição foi vista como um risco para distorção do dispositivo e o tema saiu de pauta depois de ter sido rejeitado pelos parlamentares em Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados.

Na época, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB) alertou para as consequências da mudança na medida. “Essa frouxidão na lei penal, essa permissividade, deve ser vista ao mesmo tempo em que nós estamos observando o afrouxamento das regras para porte e uso de armas. Combinando os dois elementos nós podemos aumentar a tragédia brasileira”, disse.

Desde então, Bolsonaro havia desistido de pautar o assunto na Câmara, onde ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), deu prioridade a temas relacionados a economia e evitou colocar em debate pautas polarizadas.

Bolsonaro abordou superficialmente o assunto em alguns eventos, como a visita à Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), no dia 15 de dezembro do ano passado. Na ocasião, o presidente afirmou que iria pautar o tema a partir da composição da nova mesa diretora da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Com a definição no Congresso e as eleições de Arthur Lira (PP-AL) para Câmara dos Deputados e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para o Senado Federal, Bolsonaro está novamente empenhado em aprovar um excludente de ilicitude mais amplo e novos decretos para a posse e porte de armas.

“O policial em operação tem que ter uma garantia. Quem manda as Forças Armadas para rua em uma GLO [Garantia da Lei e da Ordem] sou eu. Quem coloca na rua a Polícia Militar é o governador. Nós temos que ter responsabilidade. Homens sérios, honestos, chefes de família, trabalhadores, não podem, após o cumprimento da missão, receber visita de um oficial de Justiça e começar a responder um inquérito.”, afirmou Bolsonaro durante a solenidade desta quinta-feira (4).

“[Não pode] até mesmo receber uma ordem de prisão preventiva. Isso não pode acontecer. Se ele está armado na rua, é porque nós colocamos as armas nas mãos deles”, disse, em referência aos agentes de segurança pública.

A mudança sugerida no excludente diz respeito aos agentes de segurança em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), nas quais as Forças Armadas atuam em uma região determinada durante um período específico. Um exemplo de GLO, que foi muito criticada pela violência na abordagem policial, é a operação autorizada por Michel Temer no combate ao crime organizado em comunidades fluminenses, no Rio de Janeiro, em 2017.

Anteprojeto disponível no site da Câmara propõe um entendimento um pouco mais amplo para legítima defesa, justificada no documento em casos de “ato de terrorismo”, “conduta capaz de gerar morte ou lesão corporal”, “mediante violência ou grave ameaça” e “portar ou utilizar ostensivamente arma de fogo”. Caso o inquérito conclua que a violência policial tenha ocorrido em um desses cenários, não haverá possibilidade de prisão em flagrante e os profissionais da área só responderão por excesso doloso, ainda assim com redução da pena.

Outro ponto do discurso de Bolsonaro nesta quinta-feira (4) em Cascavel foi a simplificação no registro de armas. O presidente afirmou que vai “baixar” mais três decretos sobre armas.

“Arma é um direito de vocês! Arma evita que um governante de plantão queira ser ditador. Eu não tenho medo do povo armado, muito pelo contrário. Me sinto muito bem estar do lado do povo de bem armado em nosso Brasil.”, discursou Bolsonaro.

Há também no portal da Câmara um Anteprojeto que visa “aprimorar a legislação às necessidades e ao direito dos cidadãos que pretendem e estejam habilitados a possuir ou portar arma de fogo para garantir a sua legítima defesa, de seus familiares, de sua propriedade e de terceiros.”

A mudança principal é no pedido de registro para porte de arma na PF, que institui que o requerente deve comprovar a necessidade do porte. Segundo o documento, o processo é “subjetivo” e a declaração da atividade profissional é suficiente para fundamentar o pedido. Outras alterações na definição de espaço considerado como residência e ambiente de trabalho estão previstas, o que modifica o entendimento dos limites de posse de arma.

Em 2020, o governo federal se empenhou para flexibilizar a compra e o registro de armamento no país. Foram quase 30 atos normativos para facilitar o acesso às armas de fogo. O limite de armas por cidadão dobrou, de duas para quatro, assim como foi ampliada a quantidade máxima permitida na compra de munições. O governo também revogou portarias que determinavam fiscalização, rastreamento, identificação de armas e munição.

Em dezembro do ano passado, a alíquota de importação de armas foi zerada, mas a medida foi suspensa por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin. Na decisão, Fachin disse que “o risco de um aumento dramático da circulação de armas de fogo, motivado pela indução causada por fatores de ordem econômica, parece-me suficiente para que a projeção do decurso da ação justifique o deferimento da medida liminar [decisão provisória]”.

Fachin também destacou que a segurança dos cidadãos deve primeiramente ser garantida pelo Estado, e não pelos indivíduos. “É possível concluir que não há, por si só, um direito irrestrito ao acesso às armas, ainda que sob o manto de um direito à legítima defesa. O direito de comprar uma arma, caso eventualmente o Estado opte por concedê-lo, somente alcança hipóteses excepcionais, naturalmente limitadas pelas obrigações que o Estado tem de proteger a vida”, afirmou o ministro.

Na época, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB) questionou a medida do governo. “Vidas valem muito. Não é de mais armas que o Brasil precisa”, ponderou a parlamentar. “Mais armas no Brasil? Isso é novamente armar a população civil brasileira. Para matar quem? Para proteger quem? Que tipo de política nós vamos fazer no Brasil isentando importação de armas? Nós estamos aumentando o risco da população brasileira. E, novamente, haverá recorte racial nessas mortes, como haverá um recorte de gênero também”, destacou.

Violência policial

Os negros foram a maioria das mortes por policiais na Bahia, no Rio de Janeiro, em Pernambuco, no Ceará e em São Paulo. É o que aponta o estudo com dados de 2019 fornecidos via Lei de Acesso à Informação pelas secretarias de segurança dos estados à Rede de Observatórios da Segurança, que está presente nos cinco estados e monitora ações policiais.

A Bahia registrou o maior número proporcional: 97% dos 650 mortos por policiais no ano passado eram pessoas negras. O percentual é muito maior do que taxa de população negra no estado, que é de 76%, segundo o IBGE. Em Pernambuco, 93% dos mortos pelos agentes eram pessoas negras. A taxa de negros na população do estado é de 61,9%.

No Ceará, a taxa é de 87%, mas o estado não classificou 77% dos registros, o que prejudica a contagem. Em 86% das 1814 mortes do tipo no Rio de Janeiro em 2019, as vítimas eram negras. Em São Paulo, do total de mortos pela polícia, mais de 62% são negros.

Ana Clara Machado, morta pela polícia

A morte da menina Ana Clara Machado, de 5 anos, é mais um triste exemplo da conduta equivocada das Forças de Segurança no país. O policial militar Bruno Dias Delaroli foi preso por disparar contra a criança no bairro de Pendotiba, em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro.

Segundo familiares, agentes do Batalhão de Niterói (12° BPM) se aproximaram do local disparando armas de fogo e acertaram Ana Clara, que brincava perto ao portão de casa. Após uma demora inicial para prestar socorro, encaminharam a vítima para o Hospital Estadual Azevedo Lima, onde ela faleceu. Uma testemunha do caso depôs que policiais voltaram ao local do crime para recolher cápsulas do fuzil utilizado pela PM do Rio de Janeiro.

A PMERJ alega que os disparos foram uma reação a um conflito na região e que o socorro foi prestado imediatamente. Porém, os peritos da Delegacia de Homicídios de Niterói, Itaboraí e São Gonçalo recolheram cápsulas de fuzil 7,62 iguais às usadas pela PM e não localizou “quaisquer estojos de munição de pistola, tipo de arma que supostamente teria sido utilizada pelos criminosos do local”. O trecho é da decisão da juíza Monique Brandão dos Santos Moreira pela prisão preventiva do PM Bruno Delaroli, que responde também por outro processo criminal por homicídio.

De acordo com os dados da plataforma Fogo Cruzado, Ana Clara é a quarta criança baleada no Grande Rio, e a segunda que morre, somente este ano.

População armada

O Brasil tem 1,151 milhão de armas legais nas mãos de cidadãos civis. Em relação a dezembro de 2018, antes da posse de Bolsonaro, o número é 65% maior. Na época, eram 697 mil armas na posse de civis.

O levantamento é uma parceria dos Institutos Igarapé e Sou da Paz com o jornal O Globo. Os dados, publicados no dia 31 de janeiro de 2021, foram obtidos via Lei de Acesso à Informação junto ao Exército e à PF (Polícia Federal).

Na conta entram as armas em poder do “cidadão comum”, sem considerar as que estão em posse de empresas de segurança privada, clubes de tiro, policiais e integrantes das Forças Armadas.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.