Por Michel Croz, para Desacato.info.
Vai-se o ano, se irá a peste? Frente à pandemia, informação. Frente à peste, formação. O negacionismo é uma forma de imbecilizar o debate, que deveria ser como todo tema atual e preocupante, pleno de perfis e opiniões, baseados na ciência e na clara comunicação, claro está. Os terraplanistas, os antivacinas bolsonaristas ou seus similares vernáculos uruguaios, repetem como papagaios argumentos obtusos que não contribuem ao debate, especialistas em gerar “narrativas” fantasiosas em tempo de pós-verdades e maquinações de teorias conspirativas.
Cada cultura cria suas verdades. Porque a verdade não é natural. Assim como deus não o é, e o “status quo” tampouco. O criacionismo fracassou onde a ciência e a arte predominaram.
A pensadora e política Hannah Arendt desconfiava do papel da verdade na política devido a que o espaço público era lugar de ação, que no seu pensamento é livre, espontânea e contingente. Para a filósofa, estes caracteres se opõem aos atributos de objetividade, firmeza e necessidade, implicados na ideia de verdade. Por essa razão estimava que o lugar da verdade devia ser ocupado pelo da opinião, que é o reflexo dos pontos de vista plurais de uma sociedade. Entretanto, nos seus estudos sobre o totalitarismo, Arendt mostra que este tipo de regime se ocupou de destruir dados e registros confiáveis, para falsificar a realidade e retirar todo o suporte à crítica pública.
Inclino-me a pensar que ainda se sustenta a ideia, na nossa contemporaneidade e em nossos regimes democráticos a partir de certos relatos falsos e inclusive sem condições de ancorar na realidade.
Foi 2020 um ano de bárbaros (na pior acepção possível), de barbaridades e de barbárie. No entanto, terminamos o ano com boas notícias: 1) o imperador Trump foi “despedido” do seu trono. 2) As vacinas contra o covid se multiplicam (Chegarão a tempo de evitar mais mortes no Uruguai, no Brasil e no terceiro mundo?).
Há uma terceira notícia que não ocupa manchetes na imprensa, e que nos tem permitido ser menos bárbaros: a arte, a literatura, as diferentes formas de fazer cultura multiplicadas nas redes sociais, mostraram novas facetas do humano.
Vou terminar esta etapa, este último artigo pra Desacato.info (aquém saúdo e agradeço), com um poema inédito de minha compamante, Verônica Loss. O poema é atravessado pela saudade do que foi e a esperança do que virá em 2021.
“A minha casa
A minha casa tem um quê de poesia. Deve ser porque lá também é a casa de um poeta, e de um menino maluquinho.
A minha casa é uma casa de loucos, de loucura policroma. Se nota antes mesmo de entrar, pelas cores e formas que um artista do pincel deixou quando passou por Riveramento.
A minha casa tem um cantinho com cheiro de livros, e cheio de livros. Com a penumbra de uma biblioteca antiga alumiada pelo sebo das velas, e onde se pode sentar numa cadeira de balanço que conta histórias.
Na minha casa tem silêncio e cheiro de chuva, mesmo nas tardes em que o sol arde lá fora.
Também tem dias cheios de som e fúria, quando a troupe se junta, sob a batuta do mestre, e às vezes sem ele, só de rebeldes.
Tem dias que tudo se enche de fogo. E que se derramam tintas nas paredes que viram mar. São esses dias em que almas iluminadas povoam cada canto. E pra cada lado que se olhe se vê arte. Lenha e música queimam o pátio, aromas exalam da cozinha, poesia aos gritos e sussurros pelas salas.
A minha casa é uma casa de sonhos. Dos meus sonhos.” Dos nossos sonhos.
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