PL aprovado no Senado pode legalizar fraudes na compra de terras pela U. de Harvard

Incra e o Poder Judiciário já reconheceram ilegalidades na aquisição de terrenos por fundo de investimento dos EUA

Universidade Harvard foi fundada em 1636 e é uma das instituições de ensino mais conhecidas internacionalmente – Divulgação/Harvard

Por Daniel Giovanaz.

O Projeto de Lei (PL) nº 2.963/2019, aprovado esta semana no Senado e que segue para análise da Câmara dos Deputados, pode “legalizar” a aquisição fraudulenta de 750 mil hectares de terras por um fundo de pensão privado de professores dos Estados Unidos (TIAA-CREF, na sigla em inglês) e pelo fundo de investimentos da Universidade de Harvard.

Desde 2008, os dois fundos acumularam cerca de 750 mil hectares no Cerrado brasileiro. Além de fraudes para burlar as regras que limitam a compra de terras por estrangeiros, houve remoção violenta de comunidades tradicionais de suas terras, desmatamento e queimadas na região.

Segundo o artigo 16 do PL, que facilita a compra de terras brasileiras por estrangeiros, “ficam convalidadas as aquisições e os arrendamentos de imóveis rurais celebrados por pessoas físicas ou jurídicas brasileiras, ainda que constituídas ou controladas direta ou indiretamente por pessoas privadas, físicas ou jurídicas estrangeiras, durante a vigência da Lei nº 5.709 de 7 de outubro de 1.971.”

O autor do projeto é o senador Irajá Abreu (PSD-TO), que integra a bancada ruralista e é filho da senadora e ex-ministra Katia Abreu (PDT-TO).

“Esse PL é catastrófico e vale, inclusive, para as aquisições passadas”, ressalta o pesquisador Fábio Pitta, um dos autores do novo relatório sobre as ilegalidades cometidas pelos dois fundos no Brasil, lançado nesta quinta-feira pelas organizações Rede Social de Justiça e Direitos HumanosAssociação de Advogados e Trabalhadores Rurais (AATR) e GRAIN.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) reconheceu em maio de 2019 que, embora Harvard usasse o nome de empresas brasileiras, como a Radar Propriedades Agrícolas, para efetivar a compra de terrenos, eram fundos estrangeiros que estavam por trás das negociações. Como resultado, o órgão recomendou que a aquisição de 150 mil hectares fosse anulada.

“É possível que o PL invalide esse parecer do Incra no que diz respeito à estrangeirização, mas não que diz respeito às grilagens e expropriações. De toda forma, é uma tragédia. A abertura para esse tipo de negócio vai promover uma ampliação dos impactos socioambientais que a especulação de terras já vem promovendo”, completa Pitta, membro da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

O relatório lançado nesta quinta ressalta que, além do Incra, o Poder Judiciário também reconhece oficialmente as violações. Em 6 de outubro de 2020, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) emitiu uma sentença bloqueando o registro de terras para uma das maiores aquisições de Harvard no Brasil: 107 mil hectares de terras públicas, em uma área conhecida como Gleba Campo Largo.

Incêndios

Cerca de 8,5 mil hectares da Gleba Campo Largo foram devastados por incêndios entre agosto e outubro de 2020. Segundo o relatório, a Fazenda Coelho, no Piauí, também adquirida por Harvard, teve 8,6 mil dos seus 11 mil hectares de área florestal destruídos pelo fogo. Ambas as propriedades foram adquiridas por Harvard através da subsidiária brasileira Caracol Agropecuária.

Após protestos de estudantes, que tomaram conhecimento das ilegalidades, o relatório mostra que Harvard tenta transformar sua divisão de terras agrícolas em uma empresa independente de capital privado, chamada de Solum Partners, e trazer o grupo de seguros estadunidense AIG como sócio.

Questionada pela imprensa brasileira nos últimos dois anos, a Universidade Harvard divulgou uma nota informando que não comentará “investimentos específicos”. Ao Incra, a TIAA se apresenta apenas como investidora, e não como investidora das terras da empresa Radar, o que não configuraria estrangeirização.

“As tentativas de trato com os investidores com o TIAA e com Harvard são sempre complicadas e difíceis. É claro que eles têm total conhecimento dos negócios, mas sempre atuam nos limites da lei, com mecanismos financeiros que driblam a legislação vigente”, ressalta o pesquisador da Rede.

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