Invasão de territórios e ações de pistoleiros crescem. E a pandemia tem efeito ‘devastador’

Vírus mata mais de mil quilombolas e indígenas. Relatório da CPT mostra ainda que, além da violência, processos foram suspensos, levando a questionamento no STF

Até novembro, foram registrados 18 assassinatos e mais de mil ocorrências. E agora há também um inimigo invisível matando índios e quilombolas. Foto CPT

Dados parciais divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) apontam, neste ano, 1.083 ocorrências de violência contra áreas de ocupação, atingindo 130.137 famílias. Em todo o ano de 2019, foram 1.254 ocorrências, envolvendo 144.72 famílias.

A CPT destaca o crescimento expressivo de invasão de territórios, principalmente indígenas. Foram 178 ocorrências, contra 55.821 famílias, ante nove no ano passado (39.697 famílias). Aumento de 1.880% em relação a 2019. Mais da metade (54,5%) dessas invasões foi em terras indígenas, ante 11,8% de famílias quilombolas e 11,2% de posseiros.

O levantamento parcial aponta ainda 62 ações de pistolagem contra 3.859 famílias. Quase o triplo de 2019 (21).

Dezoito assassinatos

Até agora, a CPT registrou 18 assassinatos em conflitos no campo. “O Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno ainda aguarda informações sobre outras mortes, que ainda podem ser inseridas”, informa a Pastoral. A lista pode aumentar com um massacre que vitimou quatro pessoas, três da mesma família, na saída de um garimpo em Aripuanã, norte de Mato Grosso, a quase mil quilômetros de Cuiabá, em 21 de novembro.

O relatório trata ainda da pandemia de coronavírus, com impacto “devastador” entre os povos tradicionais. Até 11 de novembro, segundo a Coordenação da Articulação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), 4.635 quilombolas foram infectados pelo vírus e 168 morreram. Por sua vez, de acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), até 23 de novembro havia 39.826 indígenas infectados, de 161 povos. E 880 morreram.

“Por conta própria e para evitar a proliferação do vírus nos territórios, muitas comunidades fizeram barreiras sanitárias, buscando impedir invasores e, a partir  disso, também, o vírus”, diz a CPT. “O Centro de Documentação registrou, em dados parciais, 267 ocorrências de barreiras sanitárias no Brasil, envolvendo 48.562 famílias. Cerca de 84% do total das barreiras sanitárias foram feitas em territórios indígenas.”

Ataques e ameaças

Segundo a CPT, “2020 foi um ano cheio de investidas contra a luta popular e os territórios dos povos do campo”, com diversas ameaças e despejo nas comunidades. Um deles ocorreu no Quilombo Campo Grande, no sul de Minas Gerais, que a Pastoral chama de “o mais longo do século” no país. .

“Em meio à pandemia, com a recomendação de autoridades para evitar aglomerações, 150 policiais esgotaram as vagas dos hotéis nas cidades de Campo do Meio e Campos Gerais. Durante a madrugada, a tropa cercou o acampamento com helicóptero, carros, drones, balas, bombas, escudos e cassetetes. Era o 12º despejo na trajetória do Quilombo Campo Grande, uma área com 11 acampamentos, cerca de 450 famílias e mais de 2 mil pessoas”, narra a CPT. “No local é produzido o famoso café Guaií, cultivado sem uso de agrotóxicos e várias vezes premiado pela excelente qualidade”, acrescenta.

Movimentos vão ao STF

As dificuldades também aparecem na área administrativa. A Pastoral afirma que “o Incra desistiu de processos administrativos de desapropriação que já estavam em andamento”, além de pedir a suspensão de outros. “De acordo com dados enviados pela autarquia ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), mais de 400 processos estão paralisados, sendo que alguns deles estavam em fase final, apenas aguardando imissão na posse.”

Na última quarta-feira (9), movimentos, entidades do campo e partidos protocolaram ação no Superior Tribunal Federal (STF). No documento, pedem “que sejam reconhecidas e sanadas as graves lesões aos preceitos fundamentais da Constituição brasileira praticadas por órgãos federais do Estado, decorrentes da paralisação da reforma agrária e da não destinação das terras públicas federais a essa finalidade”. E lembram que a reforma agrária é “política central para a redução da desigualdade”.

Concentração produz desigualdade

Sobre esse assunto, a CPT cita relatório da Oxfam Brasil: as grandes propriedades correspondem a 0,91% do total dos estabelecimentos rurais brasileiros e abrangem 45% de toda a área rural do país. Já aqueles com área inferior a 10 hectares representam mais de 47% dos estabelecimentos e, por sua vez, ocupam menos de 2,3% da área total. “Uma reforma agrária no Brasil, além de urgente, ainda se mostra necessária para combater a concentração fundiária e as desigualdades sociais que são produzidas por ela.”, afirma a Pastoral.

Os dados da CPT apontam ainda 189 conflitos pela água, envolvendo 34.525 famílias. Em todo o ano passado, foram 489 conflitos e 69.793 famílias. Mas na região Centro-Oeste o total aumentou de 13 para 21 conflitos. Segundo a entidade, “43,4% dos conflitos pela água registrados em 2020 foram causados por mineradoras internacionais”.

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