Por Lu Sudré.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) realizará uma audiência com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na próxima quarta (9) para discutir a paralisação da reforma agrária no Brasil.
A escalada das violações de direitos humanos contra os sem-terra sob o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) estará no centro da pauta. O movimento citará o despejo truculento do Acampamento Quilombo Campo Grande, em Minas Gerais, ocorrido em meio à pandemia. As famílias são produtoras do Café Guaií e são referência de produção agroecológica na região.
No último dia 30 de novembro, a comissão interamericana notificou o Estado brasileiro para que sejam apresentadas explicações sobre a reintegração.
Segundo Ayala Ferreira, da coordenação nacional do Setor dos Direitos Humanos do MST, a reunião é fruto de um esforço coletivo e será um espaço em que o movimento demandará uma medida cautelar de proteção aos direitos das famílias que permaneceram mais de 50 horas resistindo à ação da polícia militar em Campo do Meio.
Ela ressalta a paralisação da desapropriação de novos territórios e criação de assentamentos em nível nacional desde que Bolsonaro chegou ao Palácio do Planalto.
“Muitas dessas medidas de bloqueio da reforma agrária ferem profundamente a Constituição Federal de 1988 e tratados internacionais dos quais o Estado brasileiro é signatário. Nós aproveitamos a ocasião para dizer que ademais do bloqueio da reforma agrária pela não efetivação de políticas públicas, o governo tem assumido uma postura autoritária, de não diálogo, contra famílias de trabalhadores rurais e organizações que representam essas famílias, no caso o MST”, afirma Ayala.
O audiência presidida pelo juiz Joel Hernandez, do México, será transmitida ao vivo nas redes da OEA a partir das 11h do horário de Brasília.
“O Estado brasileiro vai ter que se explicar. E é nossa oportunidade, a partir dos sujeitos dos campos, das organizações populares, de denunciar tudo isso que temos enfrentado ao longo do mandato de Jair Bolsonaro”, complementa a dirigente.
Grilagem legalizada
Por meio de uma portaria publicada nessa quinta-feira (3) no Diário Oficial da União, o governo instituiu o programa Títula Brasil, que cria novos entraves para a democratização do acesso à terra.
A portaria assinada pelo secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, o ruralista Luiz Nabhan Garcia, e o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Geraldo Melo Filho, terceiriza o trabalho de vistoria local e de checagem de dados do processo de regularização de terras.
A partir de agora, os municípios ficarão responsáveis por indicar técnicos que poderão executar o trabalho e decidir se as terras em condição regular ou não para a entrega da documentação do imóvel.
A flexibilização e descentralização do processo, que será fiscalizado pela secretaria de Nabhan, pode favorecer ainda mais a concentração fundiária devido à pressão dos latifundiários em suas regiões e resultar na legalização da apropriação irregular de terras devolutas.
Os funcionários passaram por um treinamento on-line dado pelo Incra e serão credenciados como representantes do órgão vinculado ao Ministério da Agricultura (Mapa).
A aceleração da regularização fundiária, nesse contexto, acentua o impedimento de novos assentamentos da reforma agrária, a demarcação de territórios quilombolas e indígenas, assim como a delimitação de novas áreas de preservação ambiental.
Alinhado com a bancada ruralista, Jair Bolsonaro tem a regularização fundiária como uma de suas principais bandeiras. Ainda que a Medida Provisória 910, que regularizava a grilagem no país, tenha caducado, o plano de beneficiar proprietários ilegais de terras públicas ainda está nos planos do presidente.
Em novembro, de acordo com reportagem do O Estado de S. Paulo, o político disse que enviará uma nova MP sobre o tema ao Congresso em 2021.
O Brasil de Fato solicitou posicionamento ao Mapa, mas não houve retorno até a publicação da reportagem.