Equívocos e irresponsabilidades marcam a política de combate à covid-19 da governadora interina de SC

    Por Lauro Mattei[1].

                Desde os primeiros casos da COVID-19 em Santa Catarina (13.03.20), o estado atravessa atualmente seu pior momento, com elevados índices de contaminação da população (SC é o 5º estado do país com maior número de contaminados) e de óbitos, particularmente na última semana 141 catarinenses perderam a vida. A cada dois dias mais de 10 mil pessoas estão sendo contaminadas, fazendo com que o número de casos ativos no último sábado (21.11.20) atingisse a marca de 26.453 pessoas. Tal patamar representa um aumento de 114% em relação ao pico de casos ativos verificado ao final de julho de 2020, até então o pior momento da pandemia no estado. Mesmo assim, a governadora insiste na adoção de uma política que contraria regras elementares de enfrentamento da pandemia preconizadas pelas entidades científicas.

    Já no dia de sua posse (27.10.20), a governadora interina deixou claro que sua política de combate à Covid-19 estaria alinhada com o Governo Federal, tendo o Ministério de Saúde (MS) como seu farol[2]. Além disso, desde o primeiro dia no cargo colocou em marcha um conjunto de ações equivocadas visando o combate da doença, exatamente no momento em que o cenário se encontrava em franca degradação. E tudo isso feito sob o credo de que “devemos isolar os doentes e não as pessoas saudáveis” e que é contrária ao “fecha tudo”, uma vez que suas ações serão na esfera da prevenção e sem causar prejuízos aos setores econômicos. E que “não se deve isolar toda a população, bastando fazer a prevenção como foi feito no caso da H1N1, quando as crianças continuavam indo às escolas”. Com isso, mostrou-se perfeitamente alinhada com a desastrosa política nacional emanada do atual ocupante do Palácio do Planalto. Vejamos algumas de suas principais iniciativas na esfera de combate à pandemia.

    No dia 06.11.20, a pedido da governadora interina, os secretários de saúde e de educação revogaram as portarias que estavam em vigor, de tal forma a permitir a volta das atividades de ensino presencial, até mesmo em regiões em que o quadro era considerado muito grave, como era o caso da mesorregião da Grande Florianópolis.

    No dia 10.11.20, por meio de Nota Técnica, o governo estadual autorizou o uso de medicamentos sem qualquer comprovação científica para tratamento da Covid-19, isentando os procedimentos médicos de se pautarem pelos resultados prévios de exames pulmonares. Na verdade, essa é mais uma medida que não se pauta pelas recomendações científicas e está em perfeita sintonia com os negacionistas de plantão.

    No dia 18.11.20, também a pedido da governadora, foi suspensa a medida que impedia – desde o mês de abril – a prova de roupas em lojas. É verdade que tal medida, em parte, já tinha sido flexibilizada ainda no mês de setembro, porém apenas para algumas regiões que não se encontrassem em situação grave ou gravíssima, de acordo com a matriz de risco adotada pelo governo estadual. Agora vale o “liberô geral”!

    No dia 21.11.20 (sábado à noite), depois de várias tentativas frustradas, foi publicada a Portaria 900, que suspende a Portaria 778 e autoriza a retomada de aulas presenciais nas situações com risco moderado, alto e grave, sendo que nas regiões com risco gravíssimo também foi autorizado o desenvolvimento de atividades pedagógicas individuais. Destaca-se que o retorno deverá obedecer aos Planos de Contingências Municipais, sendo que tal Portaria não se aplica às escolas públicas, tendo em vista uma decisão da justiça no sentido contrário[3]. Na mesma data também foi publicada a Portaria 901, suspendendo a Portaria 592, que regulamentava a retomadas das atividades de acordo com a matriz de risco.

    A seguir as justificativas da governadora: “o retorno das atividades presenciais trará aos estudantes e suas famílias a volta do convívio social. Além da socialização, proporcionará também a retomada das atividades econômicas e reduzirá a preocupação das famílias. Por isso, as atividades escolares e educacionais são serviços essenciais no processo de reavaliação que está sendo realizado pelo governo. Além de atender aos estudantes que encontram dificuldades no ensino remoto, o retorno seguro e gradual ainda neste ano é necessário para preparar as atividades e a retomada integral em 2021”.

    Essa fala, por conter um conjunto de equívocos, irresponsabilidades e manipulações, merece ser comentada pormenorizadamente. Em primeiro lugar, é preciso destacar mais uma vez que o mecanismo do isolamento e do distanciamento social, na ausência de qualquer medicamento eficaz, é o principal instrumento recomendado pela ciência para enfrentar a pandemia. Neste sentido, querer justificar o retorno às aulas presenciais por meio do “convívio social”, é atuar exatamente na direção contrária a tudo aquilo que até o presente momento se mostrou mais eficaz para combater a pandemia.

    Em segundo lugar, querer justificar o retorno às aulas presenciais, expondo crianças e adolescentes ao contágio, sob o compromisso de retomada das atividades econômicas é assumir como verdadeira a falsa dicotomia entre saúde e economia, que tanta vezes foi propalada pelo atual presidente do país. Em todas as crises da história da humanidade, estruturas econômicas foram recuperadas, vidas não!

    Em terceiro lugar, querer justificar a volta das aulas presenciais no pior momento da pandemia sob o argumento de que esse retorno é necessário para preparar as atividades em 2021 beira a sandice, pois se fosse verdadeira tal argumentação, todas as demais esferas do governo estadual também deveriam voltar ao trabalho presencial visando fazer o planejamento do próximo.

    Em quarto lugar, querer justificar o retorno às aulas presenciais praticamente ao final do ano letivo para atender alunos que encontram dificuldades com ensino remoto é de uma irresponsabilidade tremenda, uma vez que isso já deveria ter sido providenciado pelo governo estadual e seus órgãos específicos desde o primeiro momento em que as aulas presenciais foram suspensas há mais de oito meses.

    Na verdade, o que transparece dessas falas governamentais é a explícita defesa de interesses escusos no momento mais grave da pandemia, onde a defesa da vida deveria estar em primeiro plano e não os interesses econômicos dos mais variados segmentos sociais.  Além disso, o alinhamento ideológico com a política negacionista promovida pelo governo federal em relação à Covid-19 não parece ser o caminho mais eficiente para conter o mais poderoso surto da doença no estado.


    [1] Professor Titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador Geral do NECAT-UFSC e Pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. Email: [email protected]

    [2] Diante do desastre que está sendo a política do governo federal liderada pelo MS neste assunto, apenas temos a lamentar a escolha pelo caminho da escuridão.

    [3] O Secretário de Saúde lamentou que a justiça impediu o retorno das aulas presenciais nas escolas públicas porque “é um direito das crianças de retornar às escolas”. Na verdade, essa é uma fala que se utiliza das crianças para justificar mais uma atitude irresponsável num momento agudo da pandemia. Na mesma linha manifestou-se o Procurador Geral do Estado.

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