Em meio a seca histórica, Belo Monte desvia o rio Xingu de peixes e pescadores

Represamento de grande volume de água pela usina tem causado morte de animais e miséria às comunidades beradeiras

Comunidades exigem a imediata suspensão da licença de Belo Monte – Xingu Vivo para Sempre/Reprodução.

Por Erick Gimenes.

A hidrelétrica de Belo Monte secou o rio Xingu para pescadores, ribeirinhos, indígenas e agricultores que sobrevivem na região conhecida como Volta Grande do Rio Xingu, nos municípios de Altamira, Senador José Porfírio, Brasil Novo, Anapu e Vitória do Xingu, no Pará.

Desde o funcionamento da usina, as águas do rio foram desviadas e represadas para alimentar as turbinas de energia, o que, segundo as comunidades beradeiras, mudou drasticamente a vazão em ao menos 100 quilômetros de extensão. Cerca de mil famílias vivem por ali, espalhadas em 23 comunidades.

A responsável pela operação é a Norte Energia S.A., que propôs um “hidrograma de consenso” que diminui em até 80% o volume normal do rio na região, ainda conforme os locais. Embora esteja em andamento, a proposta foi reprovada por ao menos oito universidades brasileiras, pelo Ministério Público Federal, pelo Ibama e pela Funai.

Conforme estudos, é necessário que a hidrelétrica libere ao menos 15.000 metros cúbicos por segundo (m3/s) de água para que os animais se mantenham vivos e reprodutivos no rio. Em outubro, no entanto, o volume liberado foi de 800 m3/s.

Para piorar, a região passa por uma das mais severas secas dos últimos 50 anos. O resultado é óbvio: os igarapés viraram chão, as roças estão pálidas, os animais morrem aos montes, as famílias que se sustentam da vida gerada pelo rio se empobrecem.

“Eu moro aqui há 64 anos e nunca tinha visto um sequeiro desses, com os peixes morrendo. Nessa área da vazão reduzida, não tem mais peixe. É uma situação de pobreza extrema, empobrecimento extremo causado por Belo Monte. As pessoas não têm mais segurança alimentar”, lamenta Antonia Melo, fundadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre (MXVPS), uma organização que atua para proteger as comunidades da região desde 2008.

De acordo com os ribeirinhos, o baixo nível de água impediu a ocorrência da piracema (o período de reprodução dos peixes) nos últimos dois anos, o que tem provocado um “vertiginoso despovoamento” de espécies e uma consequente crise na segurança alimentar para a população do entorno.

Assim, a vida vai se desfazendo dentro e à margem do rio Xingu. “Os pescadores que estiveram ali, que construíram a sua casa de alvenaria, que construíram uma vendinha ou que tinham o seu carrinho – porque neste período tem que levar os apetrechos para a beira do rio -, já se desfizeram de todos os seus bens. Tudo o que conquistaram com 30 anos pela pesca se desfez”, conta Ana Barbosa, educadora social do MXVPS.

Segundo ela, a Norte Energia tem usado a pandemia de covid-19 como desculpa para não mexer no plano de vazão. “Eles [a empresa] estão se escondendo atrás da pandemia. ‘Ah, a gente não fazer isso, não pode fazer aquilo’. O povo vai morrer pela pandemia e vai morrer pela seca. Eles estão escolhendo qual é o tipo de morte. Então, se é para morrer ou pela pandemia ou pela seca, vai morrer gritando”.

Um dos gritos é dado desde a segunda-feira (9), quando aproximadamente 150 moradores decidiram ocupar o quilômetro 57 da BR-230, a rodovia Transamazônica. Eles pedem que o Ibama suspenda a licença de operação de Belo Monte até que a Norte Energia garanta uma vazão mínima de 16.000 m3/s ao trecho do rio. Não há previsão para o fim do protesto.

Brasil de Fato pediu explicações à Norte Energia, mas, até a publicação desta reportagem, não recebeu retorno. Também entrou em contato com o Ibama, para saber se o pedido dos manifestantes para suspensão da licença será atendido. Nenhuma resposta ainda.

Edição: Rogério Jordão.

 

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