Atrofiar um pouco a cada dia é sempre ter que descobrir uma nova estratégia para fazer coisas básicas

Imagem Ilustrativa, Pixabay.

Por Viegas Fernandes da Costa.

As mãos que seguravam um copo, de repente já não seguram mais o mesmo copo. Os dedos que datilografavam em uma máquina de escrever, hoje não suportam o teclado de um notebook.

Então você descobre novos copos, começa a reivindicar xícaras de asas grandes nas cafeterias, aprende a digitar com os nós dos dedos. Cadarços de sapato passam a ser desafiadores. Pela manhã, exigem de você um duelo. O tempo de alguns segundos transformados em minutos.

Sabonetes de glicerina, você vai descobrindo, são muito escorregadios. Os critérios para a escolha do sabonete passam a considerar sua textura e a possibilidade de escorregarem menos em uma mão que já não mais se espalma.

O aperto de mãos, a propósito, substituído por um soquinho amigável.

Você que gostava de usar camisas sociais, abotoáveis, vê-se escolhendo as básicas de malha para fugir dos botões.

Chaves passam a ser suas inimigas.

Moedas, idem.

Quando se tem uma doença degenerativa, que vai te atrofiando ao longo do tempo, o mais duro é ter que reaprender constantemente aquilo que você já faz. Não é glamouroso, acreditem, tampouco heroico. É chato pra caramba, e doloroso.

Ir a um coquetel se transforma quase em uma prova olímpica. Equilibrar-se com muletas, as mãos atrofiadas tendo que segurar a comida ou um copo e – pasmem – ainda conseguir comer! Não rola e a tendência é educadamente dizer, não, obrigado, estou sem fome.

A atrofia constante também te ensina que muitas vezes quem pensa em design e layouts não pensa em funcionalidade. Talheres, copos, pratos, sanduíches etc. Na sanduicheria descolada que existe aqui perto de casa, por exemplo, não há talheres. Para um sujeito, como eu, que a cada dia precisa reaprender a fazer coisas simples, comer um hambúrguer nesta sanduicheria descolada é algo quase impossível.

Isto para não falar das maçanetas redondas e das xícaras de café com asas fechadas ou muito pequenas (sim, sou viciado em café!). Se sua mão é atrofiada, maçanetas redondas e xícaras com asas não convencionais transformam-se em um Everest a ser escalado sem tubo de oxigênio!

Falo destas coisas, mas poderia falar de muitas outras e a lista seria infindável, principalmente no domínio dos self-services. Ocorreu-me escrever sobre isto, e talvez outro dia eu volte ao assunto, porque ouço estas conversas a respeito da acessibilidade e a primeira coisa que vem ao discurso das pessoas são as rampas e elevadores, mas acessibilidade é muito mais. É, por exemplo, dispor de xícaras com asas largas na cafeteria, e considerar que atividades muito simples para você podem representar algo enorme para alguém que está do seu lado. Principalmente quando se trata de uma pessoa cuja condição física não é estacionária.

_

#Editorial Anistia Internacional, uma organização com lado e para um lado

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.