Quando entrou eu estava distraída, de cachecol roxo com pressa.
Me encarou e segurou sem explicar.
Fiquei esperando suas reações, quase curiosa.
Ofereci água e café. Não aceitou nem suco de fruta do quintal.
Falei da dificuldade de abolir a carne vermelha. Simplesmente ignorou.
Impôs suas regras pela minha existência, delimitou a posição de dormir, exigiu substâncias, posturas.
Fugi de outras, enquanto ela permanecia.
No segundo ano, reduzi cabelos e abraços.
Fui me acostumando ao seu silêncio, aos seus gritos.
Deixei meu dia mais interessante por ela, por nós.
Me deixei mais confortável, menos largada, mais previsível, menos atlética.
Terceiro ano. Não sei.
Nunca soube.
Flutuo entre a alegria de prosseguir e o cansaço de estar caminhando.
Custo a acreditar que fará sua mala, parece que sempre encontra uma forma de adiar a partida.
Outro dia, por segundos me transportei para a vida que eu tinha, foram segundos de uma leveza insuportável.
Chove muito, mas dizem que a primavera fará seus movimentos.
Rosangela Bion de Assis é jornalista, poetisa e presidenta da Cooperativa Comunicacional Sul.
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