Por Douglas F. Kovaleski para Desacato. info.
Da mesma forma que já lancei críticas aqui nessa coluna aos feijões mágicos dos pastores evangélicos, ao soro da imunidade de uma médica do interior de São Paulo, à cloroquina, à ivermectina, ao ozônio retal, abrangendo desde charlatães a inconsequentes da área da saúde, é hora de criticar a pressa exagerada para o lançamento de uma vacina capaz de prevenir à covid-19.
De boas intenções o inferno está cheio, ainda mais em se tratando do inferno capitalista, onde a falsa propaganda e a esperança das pessoas também virou mercadoria. Dentro de um mercado bilionário, a indústria farmacêutica, a galinha dos ovos de ouro agora é a vacina da covid-19. Nem um pouco preocupadas com salvar vidas, mas preocupadas com os lucros, muitas indústrias farmacêuticas têm divulgado informações pouco confiáveis sobre as vacinas contra a covid-19. Nessa semana, o que chamou a atenção foi o conluio entre o privatizado laboratório Gamaleya e o governo Russo que registrou uma vacina contra a covid-19 sem que ela tivesse passado por todos os testes necessários para garantir a segurança da vacina. Tudo em nome do lucro e de uma historicamente desejada supremacia russa em algum setor da economia.
O primeiro e mais fundamental dos princípios bioéticos que devem pautar qualquer prática de saúde, e acima de qualquer prática, a pesquisa em saúde é o da não-maleficência. Esse princípio reza que antes de fazer o bem, antes de ajudar o próximo, as intervenções em saúde não devem sob hipótese alguma gerar dano. E é esse princípio que a corrida desenfreada em busca de uma vacina, cito aqui em especial a SPUTNIK, vem desrespeitando. Digo isso porque está evidente a falta de registro nos órgão competentes, falta de revisão por pares e principalmente pela falta de tempo de acompanhamento das pessoas vacinadas e dos efeitos adversos sempre presentes na aplicação de qualquer vacina.
A testagem em humanos (fase 1) iniciou em 12 de junho, nesta fase algumas pessoas, menos de dez são inoculadas pela vacina, a fase 2, onde, constatado o sucesso da fase 1, algumas centenas de pessoas são inoculadas e é observada a segurança do fármaco e a criação de anticorpos, sequer teve seus resultados revisados por pares, mesmo assim registrou-se a fase 3, ainda sem informações e, apesar da insuficiência de dados o governo russo registrou a vacina.
É preciso que fiquemos atentos e lutemos apenas com as armas que temos:
– para as pessoas: isolamento social, higienização constante de mãos e muito cuidado ficando em casa.
– para os gestores de saúde: testagem em massa, monitoramento dos casos e dos contatos, ampliação do número de leitos e investimento maciço em orientação e fiscalização dos espaços públicos evitando aglomerações e fechando atividades não essenciais.
Não há atalhos ou milagres, é preciso espírito coletivo e amor pela vida sua e do próximo pela valorização dos laços sociais.
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Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.
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