Por Nanda Barreto, CIMI.
A invasão de Terras Indígenas avança em meio à pandemia. No Piauí, indígenas Gamela tiveram suas casas incendiadas e hortas devastadas na comunidade Barra do Correntim, em Bom Jesus, a 635 quilômetros de Teresina. O fato ocorreu no final de junho. De acordo com lideranças, a prática está relacionada à grilagem, comum na região. “Aqui, grileiro vem de tudo que é lugar. É uma praga. Se espalha mais que o coronavírus”, sugere James Rodrigues dos Santos Gamela.
De acordo com James, não é a primeira vez que este tipo de violência acontece. “Eu mesmo já tive minha casa destruída com fogo. Eles falsificam os documentos e nos deixam sem nada, inclusive sem renda, porque nós vivemos da nossa roça, do milho, feijão, mandioca e outras coisinhas que a gente produz com muita peleja”, sustenta. O líder indígena conta que os atingidos pelo incêndio ficaram desolados. “Eles deixaram o pessoal com a mão na cabeça, desesperados, sem ter pra onde ir”.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) solicitou providências às autoridades. Em ofício encaminhado à Procuradoria da República no município de Corrente (PI), o assessor jurídico do Cimi Regional Nordeste, Daniel de Albuquerque Maranhão Ribeiro, detalhou o conflito e solicitou o acompanhamento do caso. “Assim como em todos os recôncavos do país, os povos indígenas lutam para sobreviver em meio a diversas dificuldades e violações de seus direitos e vidas”, salientou Daniel no documento.
“Importa notar que a Funai nunca realizou o laudo antropológico e mapeamento completo do território indígena Gamela”
O assessor jurídico reforçou que, no caso do povo Gamela, a comunidade sofre com a severa expansão da fronteira agrícola do empreendimento denominado de Matopiba – acrônimo das iniciais dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, que se tornou, desde a década de 70, área de forte investimento do agronegócio. “Importa notar que a Fundação Nacional do Índio (Funai) nunca realizou o laudo antropológico e mapeamento completo do território indígena Gamela e que não há Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) para atender os povos no Piauí “, pontua Daniel.
Além de apurar as violências sofridas pelos Gamela, o Cimi Nordeste requereu à Procuradoria medidas como a instauração de procedimento para a demarcação do território tradicional, o abastecimento de água à comunidade junto aos órgãos responsáveis, além da notificação da Funai e da Sesai para que assumam suas responsabilidades de proteção aos Gamela durante a pandemia. No dia 3 de agosto, um despacho do procurador Federal Anderson Rocha Paiva deu encaminhamento às solicitações (Clique aqui para ler o documento).
“Os Gamela geralmente permanecem num território por um tempo, plantando. Depois, eles deixam a terra descansando por um tempo e vão plantar em outro lugar – mas sempre retornam à roça anterior. No entanto, muitas vezes, quando voltam, encontram suas roças e casas destruídas”
Agronegócio predador
A antropóloga e professora da Universidade Federal do Piauí (UFPI) Carmen Lúcia Lima destaca que a ação dos grileiros encontra brechas na cultura do povo Gamela. “Os Gamela geralmente permanecem num território por um tempo, plantando. Depois, eles deixam a terra descansando por um tempo e vão plantar em outro lugar, mas sempre retornam à roça anterior. No entanto, muitas vezes, quando voltam, encontram suas roças e casas destruídas”, lamenta.
Na avaliação de Carmen, é preciso ficar de olho no acirramento dos conflitos na região. “A situação é crítica. A cada dia que passa, o agronegócio ganha mais força e poder no Matopiba. Infelizmente, o que vemos é um Estado comprometido com os fazendeiros. Num estudo que fizemos, com imagens de satélite, fica evidente que os territórios dos Gamela são verdadeiras ilhas verdes em meio a um oceano de soja”.
De acordo com a professora, além da usurpação da terra, o agronegócio representa sérios danos ambientais. “Geralmente os fazendeiros têm as terras mais altas, mas os agrotóxicos que eles usam descem e contaminam as águas que a população e os animais bebem. Estamos agora num momento em que a situação se agrava, porque os fazendeiros estão em busca dos recursos hídricos dos baixões. E eles são violentos com os indígenas”.
Luta por Justiça
James ressalta que o povo Gamela está cansado de esperar justiça. “Nós precisamos que alguém olhe por nós. A Funai não está aqui. Na pandemia tudo piorou. A gente aciona a polícia mas eles fazem vista grossa. Eles só vem aqui quando é para acompanhar os grileiros”, desabafa. O Cimi Nordeste acompanha de perto os desdobramentos junto às autoridades responsáveis.