Mesmo adotado depois que vírus se espalhou, isolamento foi capaz de diminuir taxa de transmissão de 3 para 1,6 contaminados por pessoa infectada. Liderada por brasileiros, pesquisa mostra como é possível reconstruir a evolução da epidemia no Brasil a partir do genoma do vírus.
Ação de conscientização do isolamento social em Paraisópolis, zona sul de São Paulo – Foto: PMSP
Por Júlio Bernardes.
24/07/2020
As medidas de isolamento social implantadas no Brasil a partir de março conseguiram reduzir pela metade a taxa de transmissão do coronavírus, revela estudo internacional liderado por pesquisadores brasileiros. A partir de análises genéticas, epidemiológicas e de dados de mobilidade humana, os pesquisadores concluíram que houve mais de 100 entradas do vírus, originárias principalmente da Europa. No entanto, apenas três dessas entradas deram início à cadeia de transmissão do vírus no Brasil, entre o final de fevereiro e o começo de março. O isolamento social, apesar de adotado depois que o vírus se espalhou, diminuiu a taxa de transmissão de 3 para 1,6 contaminados por pessoa infectada. O estudo foi coordenado pelo Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE).
A pesquisa identificou mais de 100 introduções distintas do SARS-CoV-2 no Brasil, originárias de pessoas que vieram da Europa. “A maior parte das introduções foi identificada nas capitais com maior incidência de voos internacionais, como Belo Horizonte, Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo”, ressalta Marciel de Souza. “Apenas uma pequena parcela dessas introduções resultou nas linhagens que se dispersaram por transmissão comunitária no território brasileiro.”
Espalhamento
Segundo a professora Ester, os dados da pesquisa revelam que o espalhamento do vírus aconteceu antes das intervenções que começaram a reduzir a mobilidade dentro do território brasileiro, inclusive com o fechamento do comércio e das escolas, implantadas principalmente a partir de meados de março. “Isso quer dizer, a ausência de restrições de movimentação e de aglomerações pode ter facilitado o início da transmissão”, observa. “Duas das linhagens entraram no Brasil pelo Sudeste e num primeiro momento se espalharam dentro dessa região, mas depois de 21 de março elas começaram a atingir Estados de outras regiões, com um aumento na migração do vírus”, aponta Cândido.
A professora aponta que o cenário ideal seria que a taxa de transmissão fosse reduzida para menos de 1. “Com o índice atual, a epidemia permanece crônica, podendo se manter por muito tempo”, diz. Segundo Marciel de Souza, os resultados da pesquisa evidenciam que o aumento do contato humano também amplia a transmissão do vírus. “Essas medidas sociais e de saúde pública desempenharam um papel essencial na redução do número de infecções, e salvam vidas.”
O artigo Evolution and epidemic spread of SARS CoV-2 in Brazil foi publicado pela revista Science em 23 de julho. A pesquisa foi coordenada pelo CADDE (www.caddecentre.org), e envolveu pesquisadores britânicos e brasileiros de diversas instituições, como a USP, Unicamp, Fundação Getúlio Vargas (FGV), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), as universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ), Minas Gerais (UFMG), Uberlândia (UFU), Roraima (UFRR) e da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp). O estudo teve apoio das fundações de amparo à pesquisa dos Estados de São Paulo (Fapesp), Rio de Janeiro (Faperj) e Minas Gerais (Fapemig), Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovações (MCTI), Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq), Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Financiadora de Estudos e Pesquisas (Finep), Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), L MRC e Wellcome Trust.