O grande sismo republicano e o seu impacto internacionalFrança 2012-2014
Como antecipado desde Novembro/2010 pelo LEAP/E2020 ( GEAB Nº 49 ), o candidato socialista [1] , no caso François Holland, vencerá a eleição presidencial francesa de 2012 [2] . A questão que se coloca refere-se ainda à primeira volta desta eleição: Nicolas Sarkozy, o presidente que sai estará à frente ou atrás de Marine Le Pen (esta era também uma das componentes da nossa antecipação de Novembro de 2010) [3] ? Portanto, já é tempo de antecipar as consequências desta eleição tanto para a França como para a Eurolândia e a UE assim como a nível mundial (NATO, G20, Euro-BRICs) pois ela é de facto muito mais importante para a evolução do mundo actual, em plena transição devido à crise mundial, do que a próxima eleição americana que verá defrontarem-se Barack Obama e Mitt Romney (dois candidatos financiados maciçamente pela Wall Street) num fundo de paralisia geral do sistema político estado-unidense [4] .
(…) Uma eleição francesa em 2012 muito mais importante do ponto de vista geopolítico do que a eleição dos EUA em 2012
Para a nossa equipe, a vitória de François Hollande vai com efeito desencadear uma série de perturbações estratégicas que vão afectar fortemente a Europa e acelerar consideravelmente as transições geopolíticas em curso a nível mundial desde o início da crise global em 2008. Nisto, os resultados e as consequências da eleição presidencial francesa (5) tem muito mais importância do que os da próxima eleição presidencial americana em Novembro de 2012. Com efeito, a França, apesar de ser um país muito menos poderosos que os Estados Unidos, ocupa uma posição estratégica tanto na Europa como a nível mundial (nomeadamente através do seu papel intra-europeu) que vai torná-la um actor chave da emergência do “mundo após a crise” par retomar o título do livro de Franck Biancheri. E a eleição de François Hollande, que possui uma verdadeira reflexão sobre a Europa e o papel da França na Europa e afirmou claramente a sua intenção de explorar activamente as possibilidade de parceria com as novas potências emergentes (BRICs), vai consagrar uma grande ruptura com a ausência de visão e de estratégia europeia dos cinco anos de presidência de Nicolas Sarkozy assinalados essencialmente por um enfeudamento sem precedentes na História recente do país à potência dominante americana [6] e sua integração incondicional num eixo Washington/TelAviv sobre o essencial dos grandes problemas geopolíticos [7] . A França havia desaparecido no mundo desde há cinco anos [8] , ela prepara-se para fazer um retorno sensacional [9] mesmo para além da personalidade do futuro presidente [10] .
O impacto da eleição de François Holland sobre a transição geopolítica global (2012-2015)
Em matéria global, o LEAP/E2020 faz questão de sublinhar duas tendências marcantes que vão caracterizar os dois primeiros anos do novo poder francês:
– a afirmação pela França de uma político europeia-gaullista (ou miterrandista-gaullista), ou seja, fazendo da independência da política externa europeia uma prioridade estratégica
– a exploração em velocidade acelerada das possíveis relações com os BRICs, nomeadamente num contexto de futura parceria Euro-BRICs.
François Hollande tem permanecido muito discreto em matéria de política externa pois, por um lado, ela não está no centro das preocupações dos franceses nesta eleição de 2012 e, por outro lado, não se anuncia previamente mudanças importantes neste domínio.
Sendo muito abundantes os argumentos para tais mudanças e a sua execução não correndo risco de gerar dificuldades junto à opinião pública que, de um modo geral, se sentiu traída pelo enfeudamento americanista do período sarkozyano, não há com efeito nenhuma razão para precipitações. Como foi anunciado para a questão da reintegração da França na organização militar da NATO [11] , ela será apoiada numa avaliação objectiva das vantagens e inconvenientes desta decisão. O resultado é conhecido previamente uma vez que o presidente que sai nada negociou (e portanto nada obteve) em troca do retorno da França a esta organização militar. Haverá portanto uma acção em dois tempos: a exigência de um certo número de contrapartidas em termos de posições militares chave para a França no seio da NATO e execução daqui até 2015 o mais tardar de um pilar europeu de defesa fora da NATO mas ligado à NATO.
A França poderá contar com o apoio da maior parte dos países europeus continentais aos quais as aventuras líbia e afegã convenceram definitivamente da necessidade de mudanças radicais no seio da Aliança atlântica. Mediante uma punção orçamental acrescida por parte dos europeus dos custos da sua própria defesa, os Estados Unidos, a enfrentarem reduções drásticas do seu orçamento militar, aceitarão de boa ou má vontade. E apenas o Reino Unido se oporá a esta evolução antes de a ela se alinhar uma vez que não mais os meios financeiros, militares e diplomáticos da sua política.
Em matéria global, na sequência da Alemanha já bem empenhada no processo de cooperação diplomática com os BRICs, a França voltar-se-á para uma abordagem mais estratégica, com uma lógica europeia (eurolandesa) comum, que terá como objectivo formular eixos comuns de acção Euro-BRICs [12] ao nível das organizações internacionais (reformas do FMI [13] , do Conselho de Segurança da ONU, …) e sobretudo de reforma fundamental do sistema monetário internacional (questão da substituição do US dólar como pilar do sistema). A cimeira do G20 em Moscovo no primeiro semestre de 2013 assinalará a primeira concretização desta evolução.
Ao estimular estas duas únicas mudanças (e pode-se supor que haverá outras), o novo poder francês, com uma abordagem europeia exemplar, terá assim contribuído de maneira decisiva para a evolução da governação mundial pós crise.
Notas:
(1) A antecipação do LEAP/E2020 de Novembro de 2010 fora efectuada em função de tendências pesadas (rejeição popular maciça da pessoa de Nicolas Sarkozy, desmotivação do eleitorado UMP e forte avanço do Front National), todas independentes da pessoa do candidato socialista, na época desconhecido.
(2) Com sondagens da segunda volta que nunca colocaram Nicolas Sarkozy à frente e um afastamento que se confirma mês após mês (em torno de 8% a 10%), que ainda se aprofunda (13% de afastamento numa recente sondagem CSA) em proveito de François Hollande, doravante só um acidente trágico poderia impedir a vitória do candidato socialista na noite de 6 de Maio.
(3) Continuamos a considerar que as sondagens sub-avaliam o desempenho da candidata do Front National e super-avaliam a do presidente que sai. Doravante o sentimento geral, confortado por todas as sondagens sem qualquer excepção, de que candidato da UMP não pode sair vencedor da segunda volta enfraquece consideravelmente a estratégia do “voto útil” em Sarkozy desde a primeira volta face ao “voto inútil” em Le Pen. De facto, consideramos que os últimos dias antes da primeira volta vão mesmo assistir à inversão desta estratégia em detrimento do voto em Sarkozy que de facto se tornou um voto inútil, devido à incapacidade de ganhar na segunda volta.
(4) Ver a respeito nossa antecipação sobre a evolução dos Estados Unidos 2012-2016 ( GEAB nº 60 ) que acabámos de por em acesso público em quatro extractos.
(5) E da eleição legislativa que se seguirá em Junho próximo.
(6) Como já sublinhámos em relação ao passado, a única época que se pode comparar em matéria de abandono da soberania em matéria de política internacional é aquela do regime de Vichy e seu enfeudamento sem condições ao regime nazi.
(7) E mesmo sobre a formação das futuras elites francesas sobre o modelo sem futuro da “World University Inc”. Fonte: NewropMag , 12/04/2012
(8) É mesmo um dos intermediários no caso Karachi, Zak Takieddine, que afirma destacando o negocismo que desde há cinco anos presidiu decisões estratégicas do país. Em matéria de negocismo, é um conhecedor que fala. Fonte: Le Point , 26/03/2012
(9) Dito isto, são livres aqueles que, por instigação da City e da Wall Street, querem “ler” na crise grega o futuro da Eurolândia. O LEAP/E2020 considera que doravante é antes do lado da mudança política francesa que se vai escrever a sequência da história da Eurolândia e para além da transição geopolítica pós crise.
(10) Pois após 12 anos de quase ausência da França nas questões europeias para as quais Jacques Chirac não tinha qualquer afinidade e ainda menos visão estratégica, estes últimos cinco anos assinalaram um desaparecimento de facto da França do cenário internacional e europeu, salvo como segunda faca dos Estados Unidos e como instrumento de mediatização das fanfarronadas de Nicolas Sarkozy nunca seguidas de efeitos (supressão dos paraísos fiscais, impostos sobre as transacções finaceiras, etc). O país, seus actores, operadores, cidadãos, encontrou-se portanto privado de toda capacidade de projecção à escala europeia e internacional. É esta situação que terá fim em menos de um mês e que vai de facto gerar uma forte ebulição e numerosas iniciativas, como uma “panela de pressão” desde há anos! Isso explica também porque esta eleição não reflecte uma clivagem direita-esquerda clássica mas sim uma clivagem republicana no sentido forte da “coisa pública”.
(11) Decidida por Nicolas Sarkozy sem anúncio antes da sua eleição e sem nenhum debate democrático.
(12) A Rússia, por exemplo, acaba de substituir sem preparação prévia os Estados Unidos que declararam retirar-se, por falta de dinheiro, do projecto ExoMars pilotado pelos europeus. Fonte: RiaNovosti , 14/04/2012
(13) Um assunto candente onde os BRICs aguardam os europeus. Fonte: CNBC , 14/04/2012