Saneamento: Bolsonaro ostenta pesquisa para alavancar privataria

“Privatização não resolve o serviço de saneamento e, na prática, só vai transferir as áreas rentáveis para o setor privado”, diz José Antonio Faggian, do Sintaema-SP

Sérgio Ricardo Lima: “A ausência de saneamento gera as chamadas doenças de veiculação hídrica, que afetam principalmente as crianças” (Foto: Reprodução)
Por André Cintra.

Invariavelmente avesso a levantamentos científicos, o governo Jair Bolsonaro promoveu nesta quarta-feira (22) uma ampla divulgação da nova Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB). Veículos da grande mídia foram abastecidos, de antemão, com uma profusão de dados que confirmam o setor como uma das principais expressões das desigualdades sociais no País.

Não se trata, porém, de preocupação com a transparência – mas, sim, de estratégia bolsonarista para promover e alavancar a privataria do saneamento. Na semana passada, sob o pretexto falacioso de “universalizar o tratamento de esgoto e o abastecimento de água” no Brasil, Bolsonaro sancionou o novo marco regulatório do saneamento básico. A medida – na prática, uma desregulamentação – abre ainda mais o setor à inciativa privada, sem contrapartidas suficientes para garantir mais abrangência e eficiência na prestação dos serviços.

A PNSB, realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), traz um panorama do saneamento nos 5.570 municípios brasileiros, com base em informações coletadas de julho de 2018 a julho de 2019. Sobram más notícias. Nada menos que 39% das cidades não têm nem sequer empresa executora do serviço de esgotamento sanitário por rede coletora. Na região Norte, são 83,8%. O déficit de esgotamento, no Brasil, é de cerca de 34 milhões de domicílios.

No caso da distribuição de água por rede, o acesso é maior – mas há ainda 9,6 milhões de domicílios privados desse serviço. Aproximadamente 40% do volume de água distribuída não chega ao usuário, sobretudo por conta vazamentos nos reservatórios ou na rede. Além disso, 5,5% da água distribuída tampouco é tratada.

Os números deixam claro que a meta da universalização está distante – e este é o pretexto usado pelo governo Bolsonaro para justificar a suposta necessidade de privatização. Os defensores do projeto alegam que o novo marco regulatório tem potencial para atrair R$ 700 bilhões em investimentos privados – o que poderia garantir o saneamento básico universal até 2033.

“A privatização não resolve o serviço de saneamento e, na prática, só vai transferir as áreas rentáveis para o setor privado”, rebate José Antonio Faggian, presidente do Sintaema-SP (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo). “Vão privatizar o lucro, mas as áreas carentes de investimento continuarão carentes.”

Segundo Faggian, a demanda se concentra em áreas de pouco apelo comercial. “São pequenas cidades do interior e periferias das grandes cidades, que precisam investimentos até para instalar o serviço. Só que essas regiões mais afastadas não estão no radar do setor privado.”  Nesse sentido, diz o sindicalista, o novo marco regulatório atende amplamente aos interesses do mercado, e não o interesse público. “As empresas vão abocanhar o filet mignon e não farão o investimento onde realmente é necessário”.

Hoje, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, a chamada “tarifa social” já é uma realidade nos “grotões” do Brasil. As populações mais pobres têm direito a algum tipo de subsídio em 72,6% dos municípios com abastecimento de água. No caso de esgotamento sanitário, há subsídio na tarifa em 67,8% dos municípios que prestam esse serviço.

“Se essas pessoas têm menos condições de pagar a tarifa, não será a privatização que vai resolver. A iniciativa privada quer investir nos grandes centros, onde o sistema já funciona razoavelmente, o retorno é rápido e o lucro é garantido”, diz Faggian.

Um dos dados mais reveladores da PNSB diz respeito à fiscalização das executoras de serviços. No Brasil, seja qual for o tipo de gestão – pública ou privada –, as empresas praticamente não precisam prestar contas. Em apenas 1.589 cidades (28% do total), existem tanto legislações quanto órgão responsável por fiscalização da qualidade da água. A baixa cobertura mostra que, além da universalização, o País precisa melhorar os mecanismos de controle sobre as entidades executoras. Do contrário, ainda que haja serviços de água ou saneamento, a qualidade continuará insatisfatória.

Para piorar a situação, Bolsonaro vetou um dispositivo do marco regulatório que permitia que empresas estatais renovassem, por 30 anos e sem licitação, seus contratos de prestação de serviços. Conforme a PNSB, a imensa maioria das companhias responsáveis pelo tratamento de esgoto nas cidades, hoje, é pública – somente 3,1% são privadas. Cenário semelhante ocorre no abastecimento de água: apenas 3,6% das empresas são privadas. As companhias estaduais respondem por 69,5% das executoras de tratamento de água e por 41,6% no saneamento.

Uma das vantagens da gestão estadual é o chamado “subsídio cruzado”. Recursos oriundos de municípios superavitários ajudam a custear o abastecimento de cidades deficitárias. Assim, é possível garantir o mesmo padrão de qualidade para distintas regiões. “A privatização vai agravar o problema porque vai desestabilizar alguns sistemas que já funcionam bem e se valem do subsídio cruzado”, afirma Faggian, do Sintaema. “Esse dinheiro que hoje garante o subsídio cruzado passará a pagar dividendos para os acionistas.”

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