Por Cristiane Sampaio.
Fortemente demandado por movimentos populares do campo, o Projeto de Lei 735/2020, de autoria da bancada do PT na Câmara dos Deputados, pode ser votado no plenário da Casa nesta terça-feira (14). O texto prevê um pacote com medidas emergenciais para agricultores familiares no decorrer da pandemia. Entre elas, estão a renegociação de dívidas rurais e a liberação de crédito para a produção de camponeses. A ideia é socorrer os trabalhadores do campo durante a vigência do estado de calamidade no país porque o grupo não foi incluído nas políticas de auxílio emergencial pelo governo Bolsonaro.
Articuladores políticos ouvidos pela reportagem apontam que, depois de várias semanas de adiamentos, há agora, de fato, um acordo para colocar o projeto em votação. A pauta foi um dos temas da reunião dos líderes das bancadas na tarde desta segunda-feira (13) na Câmara.
O deputado José Guimarães (PT-CE), por exemplo, disse acreditar na apreciação do PL até esta quarta-feira (15) porque a medida divide as atenções com outras matérias também tidas como prioridade, como é o caso da renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), um dos focos da oposição esta semana. Parlamentares do chamado “centrão” e de outros grupos políticos concordaram com a votação do relatório do PL 735, produzido pelo deputado Zé Silva (Solidariedade-MG).
Os movimentos populares envolvidos no debate ainda tentam emplacar mudanças no texto, mas a mobilização esbarra nos limites orçamentários impostos pela equipe econômica do governo. Para parlamentares que articulam a votação da matéria, a agilização da votação seria o mais importante neste momento.
“As negociações não avançam mais. O que tinha de avançar já avançou. O perigo é nós ficarmos protelando e o projeto não ser votado. Quem perde com isso são os agricultores, é o povo do campo”, afirma Guimarães.
O PL 735 tramita em conjunto com mais de 20 projetos de lei, entre eles o PL 886/2020, também da bancada do PT, que foi apresentado a partir de demandas dos movimentos populares do campo. A proposta das entidades é mais ampla que o texto de Zé Silva.
Se não houver incentivos por parte do Estado, não sabemos como vai ficar isso.
“Tem algumas questões que a gente gostaria de melhorar. Agora, você chega a um determinado ponto em que vai [votar] aquilo que é possível. É toda uma negociação até chegar à aprovação do projeto”, ressalta o secretário de Política Agrária da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Elias Borges, ao mencionar as dificuldades políticas relacionadas à pauta.
A proposta das entidades traz, por exemplo, um pedido de apoio para tecnologias de acesso à água, tema que não entrou no relatório. As organizações pleiteiam a liberação de R$ 150 milhões para a construção de cisternas para 25 mil famílias.
“Importante lembrar que esse é um PL focado, primeiro, na produção de alimentos. Neste momento tão difícil, os agricultores estão sem crédito, endividados, sem condições de honrar dívidas e a comercialização está prejudicada. Uma coisa leva a outra: não vende, não tem condições de pagar as dívidas, não tem condição de pegar crédito, e aí, por conta disso, não tem como produzir. Se não houver incentivos por parte do Estado, não sabemos como vai ficar isso. Então, o PL pra nós precisa considerar esse tipo de questão”, salienta Borges, ao mencionar a questão das cisternas e os demais apelos do campo.
Mulheres
A pressão por crédito para mulheres rurais é outro destaque do cenário político que circunda o PL 735. Os movimentos consideram que esse ponto foi atendido apenas parcialmente pelo relator, Zé Silva, cujo parecer propõe a medida somente para as trabalhadoras rurais que são chefes de família ou mães solteiras.
O texto do deputado prevê liberação de até R$ 20 mil de crédito para esses grupos. As entidades não questionaram o valor, mas reclamam acesso universal e lutam pela inclusão desse ponto no texto durante a votação de plenário.
“A produção diversificada de alimentos, na grande maioria das unidades de produção, vem das mulheres. Nesse sentido, a gente entende que é fundamental que todas as camponesas que querem permanecer no campo produzindo alimentos saudáveis tenham o direito a esse crédito. Nós entendemos que ele é um investimento para a produção diversificada e pra evitar o desabastecimento de alimentos para o trabalhador da cidade”, argumenta Noeli Taborda, da direção nacional do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC).
Cadastro
Também está no páreo da disputa em torno do PL um pedido das entidades para que a sociedade civil possa ajudar a cadastrar os agricultores cujos alimentos deverão ser comprados pelo governo para a distribuição popular. Esse é um dos aspectos da proposta.
“É porque tem lugares onde você não tem, por exemplo, uma Emater [Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural] para fazer isso, aí como se comprova, por exemplo, que a pessoa é de fato um agricultor familiar? Nós entendemos que as organizações podem ajudar nisso, assim como já acontece com o Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar]”, menciona Elias Borges. As entidades propõem a parceria entre Estado e sociedade civil também para a liberação de crédito rural, mas a medida não entrou no relatório de Zé Silva.
O Brasil de Fato tentou ouvir o relator e o líder do governo na Câmara, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), mas não conseguiu contato.
Edição: Rodrigo Chagas.
Fonte: Brasil de Fato.