Lançado nos cinemas em 2019 e agora disponível em plataformas de streaming, o filme Peterloo, do diretor inglês Mike Leigh, retrata o famoso massacre de 1819 em Manchester, no norte da Inglaterra. As primeiras cenas são contundentes ao mostrar o retorno de soldados pobres da Batalha de Waterloo contra Napoleão Bonaparte. O famoso confronto inspirou o nome dado ao Massacre de Peterloo.
Um dos mais importantes filósofos do século 20, o alemão Walter Benjamin escreveu um ensaio chamado Experiência e pobreza. Segundo Benjamin, os soldados voltavam da Primeira Guerra Mundial, “uma das experiências mais monstruosas da história universal”, pobres porque não havia experiência possível, não havia linguagem possível que desse conta de tudo o que viram e vivenciaram.
No contexto de Peterloo, os soldados estão não só afetados pelo confronto, mas retornam para a miséria. O filme mostra esse contexto, mas vale lembrar que a Inglaterra já havia passado pela Primeira Revolução Industrial, quando camponeses migraram para as cidades.
Essa “vida nova” se torna igualmente precária, porque está novamente subjugada à tirania de um senhor, agora, pelo capitalismo como o conhecemos, aquele das fábricas, que esgotava todas as forças de trabalhadores e trabalhadoras. Como afirmou Benjamin no famoso ensaio de 1933:
Nunca houve experiências mais radicalmente desmoralizadoras que a experiência estratégica pela guerra de trincheiras, a experiência econômica pela inflação, a experiência do corpo pela fome, a experiência moral pelos governantes. (…) Uma nova forma de miséria surgiu com esse monstruoso desenvolvimento da técnica, sobrepondo-se ao homem.
Mas voltemos ao filme de Mike Leigh, que muito nos lembra a história de diversas revoluções pelo mundo e nos remete também ao Brasil conservador da extrema direita de hoje. Também em Peterloo, assistimos a um personagem oriundo da burguesia/classe média tentando ganhar as massas com um discurso pacifista bem fácil de engolir, daqueles que são mais fáceis de aceitar para não ter que lutar.
Henry Hunt, o tal burguês, chega a Manchester e, em um ato público na praça, convence os mais pobres de que não são necessárias armas para reivindicar o direito ao voto, já que a elite política aceitaria muito bem a mudança. É claro que a elite política local não pensa daquela forma e trata de convocar o Exército para um massacre. Sem armas, homens, mulheres e crianças ficam ainda mais vulneráveis à violência brutal a que são submetidos durante o ato.
E por que estamos dando spoiler? Porque Peterloo é baseado em uma história real e bastante conhecida e porque o que interessa também é ver como o diretor Mike Leigh constrói essa narrativa. Algumas observações a se fazer: o desfecho se encaminha em uma tensão espacial triangular, em que o povo, supostamente, provoca a elite, a elite provoca as Forças Armadas e estas vão com toda a força sobre o povo. Daí, mesmo sabendo o final, a construção narrativa é admirável e sem maniqueísmos.
Eric Hobsbawm (1917-2012), um dos maiores historiadores do século 20, nas mais de 500 páginas do livro A Era das Revoluções: 1789-1848 dedica apenas uma linha a Hunt e o descreve como “fanfarrão retórico”, um falastrão!
Em tempos de derrubada de monumentos de racistas e perseguidores de populações nativas, chama a atenção do mundo que apenas em 2019 a Inglaterra tenha construído um monumento em homenagem a trabalhadores, mulheres e crianças violentamente assassinados. Sobretudo porque várias enquetes em jornais daquele país já mostraram que o Massacre de Peterloo é um dos momentos mais tristes e mais lembrados pelos ingleses até hoje.
Mike Leigh, portanto, cumpriu seu papel trazendo ao cinema a luta do povo.