Para a pesquisadora Larissa Mies Bombardi, o governo Bolsonaro está aproveitando os olhares centrados na tragédia do novo coronavírus para “tornar lei o que é contestável”. Desde março, o Ministério da Agricultura aprovou mais 118 novos agrotóxicos, de acordo com levantamento da Agência Pública com a Repórter Brasil.
A pasta ainda analisa a liberação de outro 216 produtos, já que o processo não foi interrompido durante o enfrentamento da maior crise sanitária dos últimos 102 anos. Ao contrário, o governo federal incluiu a atividade no grupo dos “serviços essenciais”. No ano passado, 475 agrotóxicos tiveram registro liberado, recorde histórico.
Nesta semana, a bancada ruralista – que apoia o governo – tentou passar na Câmara a Medida Provisória 910. Apelidado de MP da grilagem, o projeto altera regras de regularização fundiária que beneficiariam o setor. “Eu diria que isso é um oportunismo sem precedentes. Não é hora da gente discutir isso. É hora da gente cuidar da pandemia”, criticou Larissa, professora da Universidade de São Paulo (USP), especialista em agrotóxicos e autora do Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, em entrevista à Rádio Brasil Atual.
“Estamos vivendo um caos. Eu diria que esse é um governo que está agonizando. E, nesse processo de agonia, está tentando tornar letra da lei aquilo que é contestável”, acrescentou. De acordo com a pesquisadora, por trás de toda essas tentativas do governo está o projeto agropecuário. Para ela, há anos ele permite a “destruição das nossas riquezas, a supressão das nossas florestas”, e não para a produção de alimentos, mas de commodities.
Ceará, Rio, covid-19
Segundo Larissa, o país tem hoje o tamanho de uma Alemanha só em plantação de soja. Enquanto isso, 15 pessoas morrem por dia de subnutrição. “O Brasil, no discurso oficial, gaba-se de dizer ‘alimentamos o mundo’. Não, nós não alimentamos nem nós mesmos. A gente não superou nem questões básicas. Possivelmente, esse espraiamento, esse aumento do número de casos da covid-19 em estados que não têm saneamento básico está associado a essa estrutura”, adverte.
Em artigo, publicado no final de abril, no site do Le Monde Diplomatique Brasil, a pesquisadora aponta para um relação da explosão de casos, em estados como Amazonas e Ceará, com a falta de acesso ao tratamento de água e esgoto, principalmente no Ceará. Em grande parte dos municípios da região, mais de 25% da população urbana não tem acesso a água tratada. No Amazonas, 87,4% da população não é atendida com coleta de esgoto.
Ao mesmo, há estudos que apontam a persistência do Sars-Cov-2 – o coronavírus – nas fezes, e portanto nos esgotos, como já foi publicado na The Lancet, uma das maiores revistas médicas do mundo. A gravidade é que, nesses locais, a falta de coleta de esgoto e de tratamento de água pode ser um potencial multiplicador. Nesta quarta-feira (13), dados do Ministério da Saúde mostram que o Ceará ultrapassou o Rio de Janeiro em número de casos. Já são 19.156, enquanto o estado fluminense tem 18.728 casos confirmados.