Por Tiago Pereira.
Para o médico oncologista Drauzio Varella, a valorização do Sistema Único de Saúde (SUS) e o combate às desigualdades sociais no Brasil são as principais “lições” que devem ser tiradas da crise representada pela pandemia de covid-19. Segundo ele, o país deve se tornar, nas próximas semanas, o epicentro mundial da doença, superando os Estados Unidos, dada a elevada taxa de disseminação e o total de casos registrados.
“A única arma que temos no momento é o isolamento social. Mas é muito difícil, com a desigualdade que nós temos. Estamos agora pagando a conta de ter aceitado a desigualdade social”, disse Drauzio, nesta quinta-feira (14), em debate virtual realizado pela Oxfam Brasil.
O médico disse que é “mais fácil” manter o isolamento social para aqueles que contam com moradia digna e acesso a serviços essenciais, o que não ocorre nas regiões periféricas das cidades de todo o país.
“Se você mora num bom apartamento, com internet em casa, com acesso à Netflix, fica mais fácil. Agora, num lugar sem internet, num único cômodo, com crianças pequenas, como é que segura todo mundo dentro de casa? É uma dificuldade”, ressaltou.
Por outro lado, ele afirmou que “é ilusão” defender a reabertura da economia nesse momento. “A carga de doentes vai ser enorme. Os hospitais vão todos entrar em colapso. As pessoas vão ficar com medo. Quando morre um familiar ou amigo, todo mundo fica assustado. Assustado, você não vai trabalhar”, disse o médico.
Drauzio também afirmou que, sem o SUS, a chegada do novo coronavírus teria trazido também “barbárie e caos” no país. “Você não pode pensar – porque fez um plano de saúde – , que nunca mais vai pôr o pé no SUS. Mas pode acontecer que o hospital particular a que você tem direito não tenha mais vaga. Periga de acontecer realmente. Nessas condições, todos nós vamos depender do SUS.”
O médico pediu o engajamento de toda a sociedade, incluindo políticos e empresários, no combate às desigualdades. Segundo ele, até mesmo os mais ricos pagam um “preço alto”, em função do abismo entre os mais ricos e os mais pobres no Brasil.
“Vivem com casa toda cercada, têm que andar com seguranças. Se um filho ou filha sai à noite, ficam desesperados e só vão conseguir dormir quando a filha chegar. Por que o país tem que ser assim? Porque aceitamos isso com essa naturalidade?”
Moradia digna
Já a coordenadora do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) e da Frente de Luta por Moradia (FLM) Carmen Silva destacou que habitação digna é a “porta de entrada” para todos os outros direitos sociais, inclusive a saúde. “Um prédio abandonado é uma questão de saúde pública. A falta da moradia é questão de saúde. É um direito básico que não poderia ser negado a nenhum cidadão”.
Ela afirmou que a precariedade das habitações não é uma questão exclusiva das favelas e periferias das grandes cidades, destacando que existem cortiços e bolsões de miséria no centro de São Paulo. Num mesmo cômodo pequeno, podem viver até mais de cinco pessoas, com adultos, crianças e idosos dividindo o mesmo espaço, o que facilita a transmissão da covid-19, bem como de outras doenças, como a pneumonia.
Pesquisa da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV), divulgada no ano passado indica que o déficit habitacional, no país, é de 7,78 milhões de moradias.
Carmem citou que a primeira providência tomada após a ocupação de um imóvel abandonado que não cumpre a função social da propriedade é fazer a higienização do local. Além da retirada de lixos e entulho, os moradores fazem a calafetação das paredes, para conter a disseminação do bacilo de Koch, bactéria causadora da pneumonia.
“Direitos não podem ser mercadorias. Moradia, saúde, educação e cultura são direitos básicos para a sobrevivência. Não precisamos criar nada. Temos uma Constituição Federal que nos garante esses direitos. Vamos aprender a exigir o que está na Constituição. Ouço falar muito em desobediência civil. Ao contrário, temos que fazer a obediência civil”, afirmou.