Por Celso Vicenzi.
Dilma Roussef foi eleita em março uma das “150 mulheres que abalaram o mundo” (título um pouco estranho, mas coberto de mérito). Presidente de um país que tem a sexta maior economia do planeta, nenhuma novidade. Mas não foi a única brasileira. A mesma honraria foi concedida à grafiteira carioca Panmela Castro, por seu ativismo social. Não sei você, leitor/leitora, mas vou confessar a minha ignorância. Nunca tinha ouvido falar em Panmela. E, se tivesse, duvido que teria consciência da importância do seu trabalho. Tudo bem que listas obedecem a critérios subjetivos. Mas o que interessa, no caso, é saber o que nós, jornalistas, sobretudo dos grandes veículos de comunicação, estamos fazendo para revelar brasileiros e brasileiras ao Brasil? Diariamente os meios de comunicação oferecem precioso tempo e espaço para “famosos” que duram poucos meses. Ou criam programas e notícias para exaltar sempre as mesmas “celebridades”. É apenas o sintoma de uma sociedade desinformada, que se contenta com uma programação que não reflete a riqueza cultural e a diversidade humana do país. Enquanto isso, milhares de Panmelas obtêm reconhecimento internacional sem que os brasileiros – em sua imensa maioria – saibam quem é.
Verdade que a revista Marie Claire já havia feito uma reportagem, em 2010, sobre o trabalho da grafiteira, que “se destaca num universo predominantemente masculino”, mas com uma mensagem que “aborda temas como as relações de poder sobre o corpo da mulher, a sexualidade e o desbravamento do espaço humano pelo ser feminino. Imagens fortes que refletem sobre as relações de gênero”. Mas é pouco. O Brasil inteiro conhece mais sobre a vida – geralmente de poucos méritos – de qualquer um dos BBBs.
Foi assim também com Chico Mendes, que, depois de morto, foi finalmente “descoberto” pela mídia brasileira, que ampliou a cobertura quando soube que o líder seringueiro era (re)conhecido internacionalmente. Não falta espaço para cantores e compositores de qualidade discutível, enquanto joias raras do cancioneiro popular brasileiro ficam restritas a alguns pouco privilegiados que tiveram a felicidade de garimpá-las em meio à sucessão de futilidades.
A mídia, que deveria estar atenta ao que há de melhor em todas as áreas da sociedade, só descobriu a grandeza de Cora Coralina na velhice dessa doceira de profissão, que conseguiu publicar o primeiro livro aos 75 anos. O mesmo “anonimato” acompanhou a carreira de Manoel de Barros, que, apesar de ter publicado seu primeiro livro aos 21 anos – e outros se seguiram –, só tornou-se conhecido na velhice. Graças a Millôr Fernandes que começou a publicá-lo em suas colunas na Veja, IstoÉ e Jornal do Brasil. Outros, como Fausto Wolff e Antônio Houaiss, também passaram a divulgá-lo. Hoje o poeta é reconhecido nacional e internacionalmente como um dos mais originais do século 20. Segundo Geraldo Carneiro, “desde Guimarães Rosa a nossa língua não se submete a tamanha instabilidade semântica”. Lá fora seria considerado um gênio.
Enquanto isso, aqui, mal e mal sabemos pronunciar nomes de vultos da nossa história e menos ainda nos é informado sobre façanhas de conterrâneos que, apesar de terem percorrido o mundo, em terras brasileiras são praticamente desconhecidas. Houvesse um mínimo de justiça na atribuição do Prêmio Nobel, Carlos Chagas, médico sanitarista e bacteriologista o teria arrebatado, pois foi o primeiro e único cientista na história da medicina a descrever completamente uma doença infecciosa: a anatomia patológica, o meio de transmissão, as manifestações clínicas e a epidemiologia. E já distribuíram prêmios Nobel para cientistas que não fizeram metade disso.
E o que dizer de Cândido Rondon? Militar e sertanista, entre outras proezas, foi o explorador que penetrou mais profundamente em terras tropicais. Seu nome está escrito em letras de ouro maciço no Livro da Sociedade de Geografia de Nova Iorque, ao lado de outros imortais como Amundsen e Peary, descobridores dos polos Norte e Sul, e Charcot e Byrd, exploradores que mais intensamente penetraram em terras árticas e antárticas. Em 1957, não foi nenhuma instituição brasileira, mas o Explorer’s Club, de Nova Iorque, quem o indicou para o Prêmio Nobel da Paz.
Haveria milhares de exemplos em um país que não tem olhos – e memória – para brasileiros e brasileiras que contribuíram e contribuem de maneira decisiva para a cultura, a ciência, a civilização. Muitos, além de atravessar uma existência de (quase) anonimato, sem brilhar, apesar da grandeza da sua obra, ainda veem triunfar nulidades por todo canto. E as façanhas de tantos vão sendo esquecidas e diminuídas, uma vez que não são reverenciadas. Às vezes, alguém escreve, aqui ou acolá, uma biografia, produz um filme, lembra uma data, convida para alguns segundos de destaque na mídia. Mas é pouco, é insuficiente.
Os brasileiros, com a enorme cumplicidade do sistema educacional e da mídia, conhecem muito pouco homens e mulheres que mereceriam todo o nosso louvor e apreço. Na exata dimensão da obra que realizam – ou realizaram.