Por Claudia Weinman, para Desacato. info.
Eu nunca duvidei do que suas mãos pudessem fazer.
Eu apenas chego em sua casa e fico à distância. É claro que a vontade de sentir os braços dela como quando me embalavam, faz muita falta. Mas a gente optou em cuidar uma da outra. De conversar assim, como dá.
A demanda de costura de máscaras aumentou nos últimos dias e acaba que, assim como vai chegando o frio, as pantufas formam uma importante criação e renda também. Do jeitinho que ela fez eu coloco-me a provar e usar, até no calor, pois não é só o feito, mas em um trabalho como esse, me toca a composição de sentidos, afetos e bem-quereres. É como se eu calçasse, olhasse para meus pés e enxergasse aquele mundo que se formava ao redor do fogão à lenha.
Eu nunca duvidei do que suas mãos pudessem fazer. Mesmo. Sinto-me tão pequena diante de seu trabalho pois entendo que vai além da junção da linha e agulha. Tem um passado histórico de enfrentamento, de uma urgência em recuperar-se de traumas onde a vida das mulheres foi restrita ao trabalho patriarcal, excludente e machista. Um momento anterior duradouro de poucas decisões, de subserviência, obediência ao “chefe da família” e de casamentos que formavam-se na busca por liberdade, essa mesma, que nunca chegou assim, como deveria. É porque ela não chega, é conquistada. E mesmo que se lute, no dia a dia, precisa ser organizada, com mais gente, com outros sonhos e necessidades. Mas as condições para isso também foram dificultadas por outros elementos, pelas famílias que formavam-se e a responsabilidade que sempre foi imposta e não desejada e mais uma vez, direcionadas às mulheres.
Mas ela, embora tenha tentado essa liberdade inúmeras vezes foi tão solidária, corajosa e resoluta que entregou sua filha à essa tarefa, sem abandonar é claro, mas ela realmente, faz um trabalho incrível dando possibilidade para que estejamos nas ruas, nas universidades, nas favelas, na roça, fazendo junto com nossa classe, a trabalhadora explorada, essa tarefa.
Mostra-se tão forte que outro dia, cheguei em sua casa e entreguei-lhe um esmalte. Ela olhou-me, pensativa e foi adentrando à casa dizendo: “ah, um esmalte para dar cor à vida”. Pintou as unhas e foi trabalhar na horta. Perguntaram-me mais tarde como ela fazia para dar conta de tudo e ainda “pintar as próprias unhas”. Disse: “Não sei, devem ser anos de experiência”.
Ela dá cor à vida onde está, com ou sem pintura nas unhas, no cabelo. Ela é esperançosa e faço dela uma referência tão aberta ao público pois, quero que ela saiba, o quanto é importante para a superação da exploração. Ela precisa saber agora, nesse tempo presente.
Hoje eu deixo algumas fotos desse trabalho cheio de ternura e carinho.
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Claudia Weinman é jornalista, vice-presidenta da Cooperativa Comunicacional Sul. Militante do coletivo da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e Pastoral da Juventude Rural (PJR).
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