Depois de tudo, de tanto tapa na cara, resolveu escrever uma carta. Uma ilusão, um jeito que inventara de sepultar a dor. Sempre funcionou: quando um gato morria, por um cachorro que escapava pra sempre, pela morte do avô, pela morte do irmão. Escrevia. Em tudo, nas mãos e no corpo e onde a mão alcançava. Escrevera a vida toda, mas daquela vez falhou. Foi uma carta longa, quase ilegível, só ela entendia, mas era mesmo só pra ela – remetente e destinatário o mesmo eu. Era tudo junto – prazer e dor e morte e vida e bastante mais da morte, mas daquela morte pior, sabe? Daquele que come a carne e faz a alma sentir o cheiro podre, mesmo assim escreveu. Apesar de tudo a bendita ficara bonita, por uns instantes pensou em guardar entre suas brochuras, mas não! Pra dar certo deveria picar e soltar aos sete ventos. E assim fez. Esperou até que tudo parecesse fim de feira e foi andando de costas, pra ter certeza que nada iria segui-la. Entrou em casa e jogou as chaves. Sentou-se na frente do espelho e se procurou e, como não se achasse, fez uma pinta de beleza em cima da sua pinta de nascença – queria nascer de novo – mas não podia. Olhou-se e disse-lhe com carinho:
– Agora você pode envelhecer.
Procurava em torno de seus pés, de seus céus, pistas de pouso, porque a vida toda sempre voara em descaminhos friáveis.
Imagem: Mirror, de Alharaca.