Por Carlos Weinman, para Desacato. info.
A Véspera de Páscoa para Inaiê, Ulisses e Roberto começara por um momento de contemplação, pelo café demorado da manhã. Em seguida, os três resolveram prosseguir sua jornada, pois sua casa era a ferrugem dos esperançosos. Seguir viagem é, em uma data comemorativa ou não, fruto de uma opção. Aliás, o ato de viajar pressupõe liberdade, uma escolha pelos caminhos que serão percorridos. No entanto, nem sempre os resultados das escolhas são previsíveis, os planos da viagem apenas indicam o que se pretende e o que se pode ver em um determinado tempo e espaço. Agora, se tudo vai ocorrer de acordo com o planejamento ou se foram feitas as melhores escolhas é algo que só será possível visualizar depois da trajetória. Contudo, todos as escolhas implicam na responsabilidade em relação as suas consequências. Por vezes, o ser humano age com pequenas ações de má fé, quando busca jogar a responsabilidade de seus atos para os outros ou ignorá-las, foi justamente isso que aconteceu com os três personagens, que depois de algumas horas de viagem se viram perdidos. Inaiê foi a primeira a perceber que a trajetória estava errada. Ela falou para seu irmão Ulisses:
– Esse caminho não está correto, olha só nosso mapa, já percorremos alguns quilômetros, é melhor parar a Combi.
Ulisses parou a Combi e os três começaram a analisar, Roberto interpelou Ulisses:
– A cerca de duzentos quilômetros você deveria ter dobrado à direita, mas você fez justamente o contrário. Isso vai nos atrasar e muito, sem contar que vamos gastar mais.
Diante da fala de Roberto, Ulisses respondeu:
– Vocês deveriam ter falado antes, o erro não é só meu. Agora teremos que retornar.
Enquanto Ulisses fazia a manobra para retorno, os três ficaram pensativos até que Roberto resolveu falar:
– Realmente você tem razão Ulisses, lembrei do Filósofo francês chamado Jean Paul Sartre. Ele questionava as visões de filosofia, de mundo, de literatura, defendeu uma corrente que foi denominada de existencialismo. Para essa corrente, não podemos definir o ser humano, uma pessoa em particular de forma racional, antecipada, muito menos a humanidade. Desse modo, não podemos dizer que alguém é bom ou mau por natureza, não há uma essência pré-estabelecida, isto é, uma definição. O ser humano se define pelas escolhas, mas não meramente pelo desejo, mas agindo no mundo, isso quer dizer que escolhemos mediante nossas ações. O ser humano seria o resultado dessas escolhas.
Inaiê ficou inconformada e interrompeu Roberto:
– Como podemos reduzir tudo como uma questão de escolha ou das nossas ações se não temos a liberdade de escolher o lugar, as condições sociais e o tempo histórico que vivemos?
Roberto continuou e respondeu a questão de Inaiê:
– Você está certa, Sartre chegou afirma que o ser humano está condenado a ser livre, pois não pediu para nascer, não podemos fazer opções sobre as circunstâncias, mas precisamos escolher através das possibilidades que são apresentadas. Além disso, não tem como não escolher, pois isso já seria uma escolha e por consequência o resultado da ação faz parte do conjunto de responsabilidades que temos.
Inaiê ficou pensativa, pois a fala de Roberto parecia fazer sentido. Entretanto, a decisão pela tomada do caminho, mesmo que errada, foi dos três. Embora ela houvesse ficado em silêncio sobre a trajetória, mas não havia quem culpar, uma vez que a ferrugem dos esperançosos não tinha vontade própria. Dessa forma, não era o discurso que promoveu a escolha, mas a ação de ir pelo caminho, não considerar sua responsabilidade, mesmo permanecendo omissa, seria agir de má fé, isto é, não querer assumir as consequências de seus atos, o que seria uma atitude muito mesquinha. Enquanto pensava sobre isso, Ulisses resolveu falar:
– Parece esquisito afirmar que estamos condenados a ser livres. Ainda mais quando muitas coisas não estão em nosso poder. Ao mesmo tempo, faz sentido, pois quando agimos é como se a nossa escolha implicasse um projeto de humanidade, de sociedade. Dessa forma, não é um discurso retórico sobre a caridade que fará diferença, mas a minha ação, se for egoísta, demostrará a ideia e um projeto de sociedade, se grande parte das pessoas agir com um sentimento narcisista, será essa sociedade que teremos. Isso não quer dizer que a minha visão e ação sejam a escolha das outras pessoas no mundo. Por esse motivo, é que a estranheza existe. Ela não é um fenômeno natural, mas convencional, fruto das ações das pessoas, o mundo dos estranhos é uma consequência das ações ou escolhas das pessoas no mundo, como diria o filósofo Sartre.
Nesse momento Roberto avistou o trecho que levou ao engano dos três amigos, sinalizou para Ulisses dobrar à direita e continuar. Durante o dia de viagem, Sartre ganhou vida nas reflexões e divagações sobre suas obras, o que levou Ulisses, em um determinando momento, exclamar:
– A ferrugem dos esperançosos mais parece ser um ninho de ideias e pensamentos conduzidos por viajantes que não tem medo de assumir que podem se perder durante a viajem, mas o despertar do pensamento indica a necessidade de agir e retornar ao caminho, afinal somos seres que agem e estão condenados à liberdade.
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Carlos Weinman é graduado em Filosofia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (2000) com direito ao magistério em sociologia e mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (2003), pós-graduado Lato Sensu em Gestão da Comunicação pela universidade do Oeste de Santa Catarina. Atualmente é professor da Universidade do Oeste de Santa Catarina. Tem experiência na área de Filosofia e Sociologia com ênfase em Ética, atuando principalmente nos seguintes temas: Estado, política, cidadania, ética, moralidade, religião e direito, moralidade e liberdade.
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