Por Victor Calcagno.
Copacabana tem mais de 150 mil habitantes e vive dias de medo e reclusão. Com 78 anos e testemunha de uma época em que o bairro ainda não era tomado por prédios colados uns aos outros, Marilda Perrota jura ser a primeira vez, desde que se mudou do Catumbi para Copacabana, há mais de 50 anos, que vê uma terça-feira ensolarada tão longe daqueles dias que transformaram os 7 km² de área litorânea em um dos cartões postais mais clichês do Rio de Janeiro e do Brasil. Com praia interditada, calçadão esvaziado, hotéis sem turistas, esquinas sem camelôs e algumas das tradicionais casas de suco 24h deixando de abrir as portas, a pandemia do novo coronavírus, além de ter deixado a idosa sem ver a rua há dias, também tem rendido noites de insônia: “Acordo às 3h pensando se o dinheiro vai dar e por quanto tempo eu, que estou no grupo de risco, ainda vou ter que passar por isso. ”Com mais de 150 mil pessoas, e 46 casos confirmados até esta segunda-feira 30, o bairro tem o maior número absoluto de idosos do Brasil desde o censo de 2010, cerca de 40 mil deles, o que fez o presidente Jair Bolsonaro compará-lo ao perfil demográfico da Itália por algumas vezes quando perguntado sobre a gravidade do vírus. Bolsonaro, que chegou a classificar a doença de “gripezinha”, relegando as enfermidades à geração mais velha, não tem a mesma opinião de Perrota: “Tenho medo, sim, e principalmente por aqueles que não podem se proteger devidamente aqui”, diz ela.
Desde o último dia 16, quando a quarentena foi adotada em maior número pelos cariocas, o bairro que antes podia dobrar de tamanho com turistas e trabalhadores, vindos diariamente de outras regiões da cidade, vive dias em que voltou a ser possível caminhar pelas calçadas sem necessidade de desviar dos camelôs e pedestres, atravessar as avenidas sem esperar pelo sinal vermelho ou mesmo ouvir cantar alguns pássaros de vez em quando.
Na rua Siqueira Campos, que dá acesso a uma das estações do metrô e à comunidade da Ladeira dos Tabajaras, o movimento pelo qual é conhecida teve alguns de seus personagens substituídos. No lugar das barraquinhas vendendo biquínis e chapéus, agora ausentes, ambulâncias estão de prontidão em frente a um pronto-socorro, e as pessoas que podiam descer a via até a orla hoje desviam o percurso para entrar num dos supermercados.
Em um dos mais frequentados do bairro, senhoras de máscara, luvas e até propés (proteção ao redor dos sapatos) fazem acabar já nas primeiras horas do dia os itens mais buscados em todo país: sabonete líquido, lenços, higienizadores e, quando há, vidros de álcool gel. Estes têm sido distribuídos, com discrição, na quantidade máxima de um por pessoa, e basta algum cliente ver que o carrinho de um desconhecido não conta com uma das garrafas para avisá-lo da sua disponibilidade. As máscaras, sempre em falta, têm sido substituídas por qualquer coisa que tape o rosto: fraldas de boca para bebês, lenços, golas de camisa e até mesmo as próprias mãos. Nas farmácias, que junto dos mercados, petshops e lanchonetes são os únicos estabelecimentos ainda abertos, os caixas têm uma fita demarcadora de espaço como medida profilática.
“Minha tia de 95 anos diz que nem durante a Segunda Guerra Mundial, com medo de submarino alemão, viu o bairro desse jeito”, diz Tony Teixeira, presidente da associação de moradores Amacopa. “A diferença é que antes você até sabia de onde poderia vir o bombardeio, e agora não tem a mínima noção do lugar em que pode ser infectado”, diz ele, que, usando as mesmas metáforas bélicas, diz que a falta de pessoas na rua faz parecer “que jogaram uma bomba atômica e todo mundo morreu”.
Teixeira justifica a impressão pela alta densidade demográfica do bairro e garante que os jovens estão mais preocupados que os idosos: “Sinto que quem é idoso já tem a serenidade de ter vivido muito e isso o deixa tranquilo.” Ainda segundo o presidente da Amacopa, os moradores têm respeitado a ordem de não sair de casa e os cuidados com a higiene pessoal.
Se a orientação de ficar em casa tem impedido, por ordem do governador Wilson Witzel, que as pessoas coloquem o pé na areia, no entanto, não seguraram completamente o movimento na ciclovia do calçadão, onde desde nas primeiras horas do dia é possível ver pessoas, sem o advento das academias, fazendo exercícios ao ar livre. A recomendação de se exercitar em casa tem sido tomada por Perrotta, que faz pilates todos e diz sentir mais saudades em ver as amigas. Mesmo com o grande número de idosos no bairro, no entanto, ela afirma não se incomodar, nem enxergar esse fato como uma ameaça maior, ainda que o pouco espaço entre eles possa ser fator decisivo para a disseminação da Covid-19.
A aglomeração geográfica é preocupação ainda maior para os moradores das três comunidades do bairro, como no Pavão-Pavãozinho. Com construções coladas e pessoas com alguma resistência inicial às orientações, Rubem Roberto, responsável pela associação de moradores local, tomou algumas providências como pedir que bares e biroscas limitem seus horários ou fechem, menos pessoas no transporte público e doações de materiais de higiene.
“Aqui temos gente mais carentes que não tem como arcar com esses custos direito, quanto mais na falta de trabalho, por isso já temos gente oferecendo ajuda”, diz ele, que não descarta também o uso futuro da quadra comunitária para a distribuição de refeições aos mais necessitados. Sem supermercado dentro da comunidade, os idosos, que também são numerosos segundo Roberto, precisam de ajuda para fazer compras na maioria das vezes. Com mais de 40 mil deles no bairro, Teixeira também se prontificou a ajudar aqueles que precisassem, mas até agora diz não ter recebido nenhum pedido direto: “os mais velhos do bairro já são aliados da tecnologia e pedem tudo pelo celular, já para se proteger”, garante.
Ainda que a orla de Copacabana seja o lugar favorito para manifestações dos apoiadores do presidente no Rio, outro costume tem feito parte dos dias de quarentena, mas contra Bolsonaro. Iniciada com grande aderência no dia 18, os panelaços às 20h30 têm continuado, em menor proporção, nos dias que se seguiram, e voltam à carga sempre que o presidente aparece, próximo ao mesmo horário, em jornais na televisão. O barulho de apoio, apesar de existente, tem sido visivelmente menor, ainda que vários parapeitos exibam a bandeira do Brasil.