A revelação do envolvimento do diretor direitoso José Padilha no caso Marielle gerou uma enxurrada de críticas à roteirista Antônia Pellegrino. E quanto mais ela se explica, mais se complica
Por Kerison Lopes
A vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL) saiu da vida para virar um símbolo, uma estrela da luta pela democracia e justiça. Assassinada pela milícia carioca, com fortes indícios de envolvimento da família do presidente Bolsonaro, transformou-se em um ícone do combate à escalada do fascismo não só no Brasil, mas em todo o mundo.
Com o Estado brasileiro tomado pelo fascismo e pelas milícias, até hoje não foi elucidado o crime e o que se vê é uma investigação com ares de armação, com direito a afastamento de delegado responsável pelo caso e assassinato de suspeito, numa ação com cara de queima de arquivo.
Mas o movimento social segue na luta por justiça e definiu que o dia 14 de março, quando se completam dois anos do assassinato de Marielle, será um dia nacional de lutas, com manifestações no Brasil inteiro dentro do calendário de mobilizações que começou no Dia Internacional da Mulher.
Quando todos se preparavam pra ir para às ruas, foi revelada uma terrível surpresa. A Rede Globo e sua subsidiária Globoplay anunciaram a produção de uma série de ficção baseada na vida e no assassinato de Marielle. E o que é pior, será dirigida pelo cineasta José Padilha, que se notabilizou pela produção do filme Tropa de Elite (2007), um panfleto maniqueísta que ajudou a dar origem à serie de horrores que o país vive, quando transformou policiais assassinos em heróis nacionais. Basta lembrar que a música tema do filme serviu de trilha sonora para vários vídeos em apoio ao presidente Bolsonaro e que o BOPE do Rio virou símbolo da violência do Estado.
Não foi apenas em Tropa de Elite que Padilha mostrou seu lado fascista, conseguiu fazer algo pior. Morando nos Estados Unidos, dirigiu para a Netflix a série “O Mecanismo” (2018), que glorificou a operação Lava Jato e elevou o então juiz Sérgio Moro ao status de deus tupiniquim. Valeu-se de mentiras, distorções, calúnias contra Lula e o PT, piores do que as produzidas por Moro, Dellagnol e quadrilha de Curitiba.
A entrada de Padilha para manchar a história de Marielle tem um componente mais grave. Ele foi convidado pela roteirista Antônia Pellegrino, idealizadora do projeto, e casada com o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ). Em entrevista ao portal UOL, o diretor direitoso afirma ser muito amigo do deputado, confessando inclusive já “ter doado muito dinheiro para o PSOL”. Além de Pellegrino e do diretor, participa também o roteirista George Moura.
Essa não é a primeira vez que são revelados amigos lavatistas do parlamentar psolista carioca. No auge da Lava Jato, Freixo chegou a participar de atos em apoio ao juiz bolsonarista Marcelo Bretas, que comandava a operação no Rio de Janeiro.
A revelação do envolvimento do diretor direitoso José Padilha no caso Marielle gerou uma enxurrada de críticas à roteirista Antônia Pellegrino. E quanto mais ela se explica, mais se complica. Ela justificou a convocação de um diretor branco e desonesto como o José Padilha pela ausência no Brasil de diretores do gabarito dos americanos Spike Lee ou Ana DuVernay.
A declaração gerou ainda mais revolta e em Nota de Repúdio, intelectuais negros e apoiadores denunciaram que “É revoltante. No entanto, numa sociedade capitalista, não surpreende que a história de uma mulher negra seja contada a partir do ponto de vista de três pessoas brancas”.
Sobre a escolha de Padilha, os que assinam a nota acusam de ser um “homem que deu e dá ferramentas simbólicas para a construção do fascismo e genocídio da juventude negra no País” e que “cometeu a série O Mecanismo, cujas falsificações históricas só fizeram recrudescer o discurso fascista que resultou no governo mais autoritário e violento das últimas décadas no Brasil”.
Com a polêmica tomando conta da internet no fim de semana, é incompreensível o silêncio ensurdecedor do PSOL sobre o caso. Mas sobre isso, quem fala com mais propriedade é a atriz Grace Passô: “Como o partido vai reagir publicamente? Ou a arte não é política? Não é também sobre a ética das Alianças um dos discursos que estruturam o partido? Onde estão os livros da intelectualidade negra, orgulhosamente fotografados nas mãos de tantas e postados em redes sociais? Esse sequestro simbólico não pode acontecer. #PadilhaNão!”
Amigo de Marcelo Freixo e de Antônia Pellegrino, saiu de Caetano Veloso a frase que é síntese deste triste episódio da série histórica brasileira. Já em 1978, em sua música Sampa, ele falava “Da força da grana que ergue e destrói coisas belas”.
Kerison Lopes é Presidente da Casa do Jornalista de Minas