Impressiona o nível da instabilidade nos mercados financeiros, de ações, e cambiais, mundo afora. Estes mercados já vinham em ebulição nos últimos meses, mas por estes dias está acontecendo um “estouro da bolha”, com bolsas despencando no mundo todo, com quedas significativas nos EUA, Europa e Ásia, Brasil. O Ibovespa caiu 10% ontem, sofrendo a segunda interrupção dos negócios apenas nesta semana.
A tremenda instabilidade nos mercados é a manifestação da doença, uma espécie de febre, que alerta para o estado da infecção. A doença mesmo, o fundamento de toda a turbulência é a própria crise do capitalismo. A crise atual é uma das mais, se não for a mais grave crise da história do sistema. Esta crise se caracteriza por baixo crescimento, aumento dramático da desigualdade entre as classes sociais, dominação do capital financeiro, endividamento das famílias, das empresas e dos governos no mundo todo.
Na fase atual do capitalismo (a financeira), as chamadas operações fictícias, especulativas, se tornam mais importantes que a própria produção real de riqueza. Há um descolamento total entre a esfera real de produção de riqueza, e a esfera financeira, do dinheiro. Isto significa que o volume de dinheiro e de papeis circulando na economia mundial, é muito maior do que a riqueza real existente. Há, portanto uma separação entre a produção de riqueza e sua representação em dinheiro, o que é um imenso fator gerador de crises e de instabilidades.
Segundo o Instituto Internacional de Finanças (IIF, na sigla em inglês), a organização mundial do setor bancário, a taxa de endividamento em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) mundial chegou ao recorde de 322% no terceiro trimestre do ano passado, e a dívida total a quase US$ 253 trilhões[1]. Para termos ideia do que significam estes números, o maior PIB do mundo, o norte-americano, é de US$ 20,50 trilhões (2018).
Os mercados acionários desabam porque os investidores correm para colocar seu dinheiro em investimentos mais seguros. Normalmente papeis da dívida norte-americana. Numa conjuntura como essa, qualquer elemento mais grave não previsto leva às turbulências. Mas o determinante no processo é a crise capitalista caracterizada por baixo crescimento e financeirização, além do risco de recessão global.
O Brasil talvez seja o país subdesenvolvido mais exposto às atuais turbulências mundiais. A dureza com que a crise financeira tem se manifestado no Brasil revela o quanto o país está vulnerável às crises mundiais. No ano passado, a saída líquida de dólares da economia brasileira (entradas menos saídas) foi de US$ 44,77 bilhões, maior evasão de divisas do Brasil em toda a série histórica, iniciada em 1982, até então. Neste ano, os especuladores estrangeiros já retiraram até a semana passada do mercado de ações, R$ 34,9 bilhões. Por dia de pregão da bolsa, neste ano, são R$ 918 milhões a menos de investimento estrangeiro, contra um ritmo de evasão, em 2019, de R$ 179,5 milhões. Para termos uma ideia do que essa saída significa, em 2008, que era até então o ano de maior saída de estrangeiros em termos reais (ou seja, corrigidos pela inflação), a retirada, em média por pregão, foi de R$ 180 milhões.
Os capitalistas estão tirando dinheiro do Brasil não por causa das asneiras que falam Bolsonaro e sua equipe. Eles estão saindo do país em velocidade inédita por conta da instabilidade na economia mundial e em função dos fundamentos da economia brasileira, que são os piores possíveis. Não são as sandices ditas por Bolsonaro que fazem os capitais estrangeiros sair em nível recorde do país e sim a instabilidade que uma política de guerra contra a população pode trazer. Tudo indica que a crise que temos assistido ao nível mundial seja apenas o começo de um processo que tende a ser cada vez mais dramático. Há uma propensão da crise se desenvolver em forma de espiral, ou seja, realizar estragos cada vez mais profundos e abrangentes.
A pandemia do coronavírus está mostrando o prejuízo que pode significar, principalmente em tempos duros, um governo ilegítimo, inepto e entreguista. No mundo a maioria dos países está tomando medidas no sentido de enfrentar a doença com determinação (ampliação da saúde pública, ajuda financeira às empresas atingidas, auxílio econômico a quem perde o emprego), o governo brasileiro acelera medidas que não deram certo em nenhum lugar do mundo, especialmente em tempos de colapso financeiro internacional. Medidas que vão no sentido de retirar direitos, achatar salários de funcionários públicos, acabar com programas sociais, desmontar o combate à fome e à pobreza, precarizar as relações de trabalho, cortar o gasto social de uma forma geral e entregar patrimônio público. Está uma maravilha para o 1% de super ricos, mas não se sabe até quando o pais aguenta. Nos guiemos pelo realismo e aguardemos tempos ainda mais difíceis.
[1] Ver o artigo Coronavírus eleva o risco de uma crise de crédito Endividamento atinge níveis recordes, num mundo de juro baixo. Por John Plender , divulgado no Financial Times, de Londres e reproduzido no valor de 06/03/2020.
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José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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