A falta de solidariedade aumenta o assédio moral nos locais de trabalho

    Por Marcela Cornelli .

    Esta foi uma das conclusões do 2º Seminário em Saúde do Trabalhador do Sindes, realizado no dia 22 de março, em Florianópolis. Estiveram presentes no seminário trabalhadores e dirigentes de sindicatos da Capital e de Blumenau. Estiveram presentes no evento Rosângela de Souza (Lelê), advogada, que falou sobre assédio moral e legislação; Elisa Ferreira, psicóloga e assessora em saúde do trabalhador, que abordou o tema saúde física e mental do trabalhador; e Maria de Lourdes Vieira da Cunha (Lurdinha), presidente da Fites (Federação Interestadual dos Trabalhadores em Entidades Sindical), que traçou um panorama sobre a saúde dos trabalhadores em sindicatos. Ao final do Seminário, sindicatários e dirigentes sindicais aprovaram um documento que será enviado às Direções dos Sindicatos.

    Assédio e pouca politização nos sindicatosA advogada Rosangela de Souza, Lelê, abriu os debates relembrando de sua época quando foi funcionária em sindicatos e dirigentes do Sindes. Ela contou histórias como quando trabalhou m um sindicato solicitou realizar um curso de formação em Brasília ouviu do dirigente sindical que ele não pagaria o curso porque iria “aplicar” mal o dinheiro, pois ela iria embora depois. Este discurso que Lelê resgatou ouve-se brandamente ainda nos dias atuais. Ela chamou a atenção para a baixa formação política de alguns dirigentes sindicais e defendeu que os trabalhadores em sindicatos têm um trabalho político e de ajuda para formar estes dirigentes. A palestrante colocou ainda que os sindicatos que não fazem a luta são instrumentos da classe burguesa e podem muitas vezes desmobilizar e cooptar as lideranças dos trabalhadores. “Muitas vezes depois que um dirigente sindical senta numa cadeira fofa do Sindicato, sai da luta”, disse.

    “Os burgueses nos dizem que trabalho não mata. Mas trabalho mata sim. Se é algo perigoso que adoece os trabalhadores, leva à depressão e ao suicídio, mata sim e tem que ser tratado desta forma”, refletiu. “A luta dos sindicalistas têm que ser pelo trabalho criativo, pelo trabalho que proporcione felicidade ao trabalhador”.

    Para a palestrante é necessário que os sindicatos invistam no aperfeiçoamento técnico dos seus trabalhadores. “Posso ser uma advogada que grita, luta, mas se eu não souber fazer a ação de nada vai adiantar”, exemplificou. “Para organizar a luta dos trabalhadores precisamos de técnicos que façam isso. E como ter bons profissionais? Melhorando as condições de trabalho”, disse.

    “Todo assédio moral ou sexual é uma violência. O assédio é caracterizado quando se reproduz freqüentemente, quando se torna um cerco em volta do trabalhador. A pessoa não tem como reagir. É fácil de se rebelar quando a violência é visível. Aí se pode provar, mas quando a violência e as conseqüências são psicológicas aí fica difícil de se provar”, afirmou Lelê.

    Na opinião da palestrante a solidariedade e a organização entre os trabalhadores são as melhores formas de evitar que o assédio exista nos ambientes de trabalho. “Há horas em que as pessoas entenderem que se mexer com um mexeu com todos a coisa começa a mudar”.

    Ela enfatizou que ainda é difícil de ganhar uma causa de assédio moral na Justiça, mas que mais importante do que ganhar é entrar com a ação e levar o assediados aos tribunais. Como geralmente são pessoas conhecidas e influentes no meio sindical e político só o fato de levá-los ao banco dos réus é uma forma de punição. “O juiz pergunta: ele chamou de vagabundo? De incompetente? Se dizemos que não, aí não tem danos morais”.

    A violência precisa ser provada de alguma forma. Por isso, Lelê deixou como alerta e sugestão que os trabalhadores criem uma espécie de diário e comecem a relatar ali tudo o que acontece, com hora, local e data.  “Ter esse registro pode ajudar muito na hora de se fazer uma ação. Os sindicatos deveriam dar uma cartilha sobre assédio moral a todo filiado e juntamente este diário para as anotações. Isso poderia resultar em provas”.

    “Em um país onde estamos muito atrasados nas liberdades democráticas, que está no topo da economia capitalista enquanto que no nível de direitos somos coloniais ainda, a prevenção (do assédio moral) é a melhor saída. Debater, chamar à solidariedade entre os trabalhadores é o primeiro passo. O segundo é entrar com ações na justiça e levar o assediador ao tribunal. O direito do trabalhador está lá assegurado na Constituição que fala do direito à dignidade da pessoa humana. Sempre uso isso nas minhas ações. O assédio moral causa danos físicos e psicológicos. A perícia médica ainda tem dificuldade de fazer esse nexo. Temos que lutar com todas as nossas armas para provar”.

    A advogada lembrou-se do caso de assédio moral e sexual que aconteceu a alguns anos na CUT/SC. Ela foi à advogada das trabalhadoras e foi taxada como “inimiga da CUT”, mas não esmoreceu na luta. “O assediador ao final do processo que se arrastou na Justiça pediu desculpas, mas a luta nos tribunais foi desigual e deixou marcas no movimento sindical e nas trabalhadoras”.

    Para Lelê, houve alguns avanços, mas ainda se caminhou pouco no reconhecimento da Lei para que se prove o assédio moral e se puna quem o pratica. Até conseguirmos evoluir neste debate, só a solidariedade pode salvar os trabalhadores.

     

    “Os trabalhadores precisam ser ouvidos”

     

    “A saúde do trabalhador precisa ser vista de maneira integral”, defendeu a psicóloga Elisa Ferreira. Ela lembrou que a angústia, a insegurança, o desanimo e o desespero são alguns sentimentos que marcam o cotidiano do trabalhador adoecido. “A sociedade capitalista vai contra o que é humano, que é sentir prazer, satisfação”. Para a psicóloga, fatores como quando a potencialidade do trabalhador não é considerada, quando há um sub-aproveitamento do seu potencial, também podem ser causas de adoecimento deste trabalhador. Ela lembrou que no Brasil não há uma política de prevenção na Saúde, sendo que 6% de verbas vão para a saúde preventiva e 56% vão para os hospitais. Elisa chamou a atenção para doenças como depressão e alcoolismo que podem ter origem no trabalho, mas que há dificuldade de se criar o nexo. Já, devido a uma grande luta já feita, doenças como as LER/DORT já são consideradas como doenças ocupacionais. “Quando se trata de um transtorno mental, por exemplo, é muito mais difícil de se criar o nexo. Mas, esta é uma luta que precisa ser feita. É preciso ocupar espaços de discussão. Trata-se de uma alteração na cultura no dia-a-dia”.

    A palestrante expôs quadros que podem levar o trabalhador a adoecer como um acidente de trabalho e mudança de setor e posição no trabalho – ascensão e/ou queda. “As pessoas buscam muito a perfeição, a aprovação dos outros. Quando isso não acontece não lidam bem com a situação. Devemos questionar qual o problema com a imperfeição? Muitos se alienam de si em detrimento do sentimento do outro e acabam adoecendo”.

    Elisa também citou alguns geradores de sofrimento no trabalho como: ambientes que impossibilitam a comunicação espontânea e a manifestação de insatisfação e quando as sugestões dos trabalhadores não são ouvidas. “Os trabalhadores precisam ser ouvidos”, defendeu Elisa. Outras causas que podem levar ao adoecimento do trabalhador são a jornada de trabalho longa e a imposição do ritmo de trabalho intensos e/ou monótonos demais. A psicóloga apontou ainda manifestações nos trabalhadores que estão adoecidos citando as limitações na vida diária, problemas na vida sexual, falta de higiene e de cuidado com si mesmo, distúrbios do sono, dificuldade de atenção, isolamento, dificuldade de comunicação, entre outros.

    É preciso conhecer a realidade dos trabalhadores

    Elisa defendeu que é necessário os sindicatos conhecerem suas bases, mapearem os locais de trabalho, realizarem pesquisa para saber o grau de sofrimento que atinge os trabalhadores, entre outros métodos que podem ajudar na busca de soluções e para combater as doenças de trabalho. “A pesquisa é essencial para conhecer a base e a coleta de dados. Estes dados podem ser usados tanto nas negociações, quanto para prevenir e combater as doenças causadas pelo trabalho. Esgotadas as negociações, outro caminho é acionar o Ministério Público do Trabalho, as Delegacias Regionais do Trabalho e as outras instâncias competentes”, enfatizou a palestrante.

     “Quando vamos trabalhar em sindicato, achamos que vamos mudar o mundo”

    “Trabalhar em sindicato as vezes é insalubre. Quando entramos achamos que vamos mudar o mundo, mas ai vem as frustrações”, afirmou a presidente da Fites e também palestrante do evento, Maria de Lourdes Vieira da Cunha (Lurdinha). “Hoje os trabalhadores em sindicatos não debatem política e acabaram se transformando em executores de tarefa. É preciso termos consciência de que sindicato tem uma utilidade pública. Que o sindicalista não é patrão, que ele é um gestor e que nós trabalhamos para uma categoria toda de trabalhadores”.

    Lurdinha lembrou que muitas entidades sindicais não reconhecem os sindicatos de trabalhadores em sindicatos e a necessidade da organização deste segmento. Mas, que a categoria buscou sua organização e está na luta contra a reprodução das práticas capitalistas que adoecem os trabalhadores dentro das entidades sindicais. “Tomamos um ansiolítico antes de ir para o trabalho”, comentou. “Já houve um caso que chegou à Fites que uma funcionaria de um sindicato no Rio Grande Norte foi marcada com ferro quente de marcar gado. O sindicalismo está podre”, disse emocionada. “Os sindicatos deveriam ser instrumento de mudanças. Mas está tudo tão contaminado que os trabalhadores não sabem mais a quem recorrer”,  ponderou.

    Para Lurdinha, não adianta os sindicalistas pedirem desculpas pelos seus erros se não estiverem dispostos mesmo a mudar as relações de trabalho dentro das entidades sindicais.

    Lurdinha defendeu que está mais do que na hora de realizarmos um debate conjunto entre trabalhadores e sindicalistas de que para que serve um sindicato e qual o papel dos trabalhadores em sindicatos. “Você tem leis na CLT e os sindicatos são muitas vezes os que mais descumprem estas leis nos acordos coletivos com seus trabalhadores”, disse Lurdinha.

    Para a presidente da Fites, há muito o que se avançar ainda no campo das discussões em saúde do trabalhador. “O INSS ainda não reconhece as doenças mentais como doenças do trabalho. Nos sindicatos ainda há muita terceirização e precarização do trabalho e apadrinhamento”, afirmou.

    Lurdinha falou ainda sobre o dossiê feito pela Fites com colaboração dos sindicatos estaduais que mostra a realidade dos trabalhadores em sindicatos, através de uma campanha nacional de denuncia de assédio moral realizada pela Federação. A luta agora é para que este dossiê se torne público e reconhecido pelas entidades sindicais para que se possa buscar, até mesmo junto a órgãos do governo, mudanças e o combate a esta prática no meio sindical.

    Após as palestras, no período da tarde foi organizado um grupo de trabalho, com participação dos sindicatários e dos sindicalistas presentes no debate que respondeu a três perguntas (como é a realidade no seu local de trabalho?; o que você acha que deveria mudar?; e qual a sugestão para que esta mudança acontecça) formalizou um documento que será enviado aos sindicatos para dar continuidade e publicização nesta discussão.

    Veja abaixo o resultado o documento aprovado no seminário. As palestras na íntegra do evento, gravadas pelo Desacato, bem como as fotos do evento estão disponíveis no blog do Sindes: www.sindes.org.br.

    O Sindes acredita que este é um primeiro passo para tocarmos nas feridas existentes no movimento sindical e que a autocrítica é necessária para avançarmos todos juntos na luta!

     

    2º Seminário de Saúde do Trabalhador do Sindes

     Problemas e soluções apontadas pelos sindicatários e dirigentes sindicais presentes no 2º Seminário de Trabalhador de Saúde do Trabalhador do Sindes, realizado no dia 22 de março/2012 em Florianópolis/SC.

    1)      Como é a realidade no seu local de trabalho?

    – Enxugamento do quadro de trabalhadores/sobrecarga de trabalho.

    – Falta politização dos dirigentes e da base.

    – Retirada de direitos.

    – Adoecimento e assédio moral.

    – Ambiente de trabalho tenso e falta de motivação.

    – Divisão entre os empregados.

    – Discriminação.

    – Relação boa/não há disputa de correntes.

    – Falta um fórum para discutir os problemas do dia a dia

    – Sindicato investe em formação, o que facilita a relação dirigente/empregado.

    –  Assédio horizontal.

    – Frustração frente às expectativas.

    – Processo de deteriorizaçao das entidades sindicais; dificuldade de mobilização dos empregados.

    – Diretoria se mantém indiferente às condições de trabalho dos empregados.

    – Empregados têm dificuldade de executar o trabalho diário em razão dos problemas políticos das diretorias.

    – Direções sindicais têm resistência aos empregados com postura política e que se posicionam dentro do local de trabalho. Somente são aceitos aqueles que defendem a posição da direção.

    – As entidades têm priorizado a contratação de trabalhadores “burocráticos” que apenas executam as determinações da direção, sem questionamento.

    – O discurso do dirigente virou retórica.

    – O desrespeito aos direitos dos sindicatários é generalizado, seja nos sindicatos com maior clareza e formação, seja nos sindicatos com diretorias com pouca formação política.

    – Diretorias burocratizadas. O empregado é aquele que está em contato direto com a categoria. O empregado conhece mais as demandas da categoria que a diretoria.O diretor tem a  necessidade de impor sua autoridade frente aos empregados.

    – A divisão da diretoria acarreta em problemas na execução do trabalho diário. A ausência de uma política administrativa na entidade gera conflitos na hora da execução das tarefas.

    – Diretor tem “ciúme” do reconhecimento adquirido pelos empregados perante à base.

    – Empregado em entidade sindical não tem a clareza sobre a necessidade de ser sindicalizado.

    – Dirigentes sindicais utilizam a máquina sindical em beneficio próprio.

    – As direções não são preparadas para administrar as entidades sindicais.

    – Há uma ausência de planejamento das direções no tocante as demandas do dia a dia. Tudo é no “afogadilho”, criando uma tensão do empregado na hora da execução do trabalho a ser feito.

    – As direções não investem em condições de trabalho.

    – Os trabalhadores em entidades sindicais são vítimas de assédio pelos associados do sindicato. As direções sindicais, muitas vezes, colocam “panos quentes”.

    – Prática de trabalho temporário dentro das entidades sindicais.

    – Sindicato tem se afastado do seu papel histórico.

    – Assédio sexual.

    – Resistência das diretorias em discutir prevenção de Acidente do Trabalho.

    – Sindicato virou empresa. Um “negocio” para os dirigentes.

    – Nepotismo.

    – Terceirização de setores.

    – Empregados tem medo de se expor e perder o emprego.

    – Falta de solidariedade entre os trabalhadores em entidades sindicais.

    – Os próprios trabalhadores não reconhecem o Sindes por falta de consciência política ou por medo de represálias.

    – Se o sindicato está com problemas financeiros, os primeiros a pagarem são os trabalhadores.

    2)      O que você acha que deveria mudar?

    – O  sindicatário se identificar como categoria.

    –  Realizar um levantamento da categoria: quem somos, onde estamos, etc.

    – Necessidade de buscar a unidade para assegurar a manutenção das conquistas.

    – Realizar atividades entre os empregados, visando fortalecer a união.

    – Os dirigentes sindicais devem assegurar aos seus empregados os mesmos benefícios que a categoria a qual representa possui.

    – As direções devem ter clareza sobre o duplo papel que desempenha (empregado/empregador).

    – Prioridade de formar as bases.

    – Os dirigentes sindicais devem ter coerência política entre o discurso e a prática.

    – Trabalhar a necessidade da importância da luta coletiva.

    3)      Qual a sua sugestão para que essa mudança aconteça?

    – Estabelecer fóruns para discutir os problemas do dia a dia.

    – Seminários, debates e cursos de formação.

    – Celebração de uma CCT para os trabalhadores que não tem acordo firmado.

    – Elaboração de um PCS unificado.

    – Buscar sensibilizar os dirigentes sindicais através do diálogo, conscientização e, não obtendo êxito, buscar a Justiça.

    – As entidades sindicais devem incentivar e liberar seus empregados para participar de atividades promovidas pelo movimento sindical.

    – O empregado precisa se posicionar acerca das condições de trabalho e sobre suas reivindicações.

    – Incentivar a discussão sobre saúde ocupacional.

    – Acabar com as terceirizações que só precarizam as condições do trabalhador.

    – Debater o papel dos sindicatos e dos trabalhadores em sindicatos.

    – Que o Sindes realize um formulário para ser aplicado no sentido de conhecer sua base e saber quais os efetivos problemas pelos quais são acometidos os trabalhadores em sindicatos.

    Fotos: Marcela Cornelli.

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