Mostra de filmes: A história no cinema(ou a montagem sobre as lutas sociais)

O que muitas imagens registram(e outras ocultam) é a exploração do homem pelo homem, são as guerras, os massacres, as torturas, as formas de repressão política, a destruição da natureza, a brutalidade do patriarcado, os golpes de Estado, as revoltas e as revoluções. Numa palavra: história. Por entre deuses e heróis, anjos e demônios, máscaras e bailes, as relações históricas fundamentais passam pelas lutas entre camponeses e monarcas, patrícios e plebeus, escravos e senhores, servos e nobres, burgueses e aristocratas, operários e burgueses… Podem as grandes e pequenas telas estarem indiferentes a isso?

Por Afonso Machado

Imagem: Reprodução

Tão complexa quanto a história do cinema é a maneira como a história é representada pelo cinema. A magia materialista da imagem encontra um assombroso salto dialético entre o homem que pinta, nas paredes de uma caverna do período Paleolítico Superior, e o homem da era contemporânea que, através de uma câmera , filma. No longo tempo que separa os instrumentos e pigmentos que viabilizavam a arte rupestre e a realidade técnica do audiovisual, os olhos humanos assistiram não apenas ao desenvolvimento das formas de controle sobre a natureza, ao florescimento das realidades econômicas. O que muitas imagens registram(e outras ocultam) é a exploração do homem pelo homem, são as guerras, os massacres, as torturas, as formas de repressão política, a destruição da natureza, a brutalidade do patriarcado, os golpes de Estado, as revoltas e as revoluções. Numa palavra: história. Por entre deuses e heróis, anjos e demônios, máscaras e bailes, as relações históricas fundamentais passam pelas lutas entre camponeses e monarcas, patrícios e plebeus, escravos e senhores, servos e nobres, burgueses e aristocratas, operários e burgueses… Podem as grandes e pequenas telas estarem indiferentes a isso?

Foi pensando neste dilema ético e estético, político e artístico, que o grupo cineclubista CACHOEIRA, da cidade de Campinas, decidiu organizar ao longo deste ano de 2020 exibições mensais de filmes no MIS(Museu da Imagem e do Som) da mesma cidade. Dentro de uma programação que contempla as mais variadas cinematografias de períodos distintos, a mostra A HISTÓRIA NO CINEMA(OU A MONTAGEM SOBRE AS LUTAS SOCIAIS) é atravessada por obras que exprimem diferentes ideologias, variados contextos de produção cinematográfica, inúmeras estéticas e as diversas visões de realizadores que condicionados por sua época olharam para outras épocas. Esta iniciativa do grupo CACHOEIRA, está muito longe daqueles riscos habituais por onde escorrega o desconhecimento da linguagem cinematográfica ou a visão superficial da história. Nesta mostra o cinema não é um pretexto qualquer para se debater história. Nem a história uma fornecedora de cenários diletantes para o gozo formalista de um cinéfilo politicamente irresponsável. Os organizadores da mostra sabem que existem profundas razões políticas e culturais para se destacar o cinema enquanto poderoso instrumento na composição da narrativa histórica.

Ao abrir caminhos narrativos pelas estradas da literatura, do teatro, da filosofia e das ciências humanas, o cinema se constitui como expressão de um contexto técnico em que o conhecimento da história está próximo das massas. Quando a linguagem cinematográfica ainda engatinhava na aurora do século XX, parte considerável do mundo tornava-se urbanizado, ocorria a sensação nascida dos novos meios de transporte e comunicação que o tempo “ acelerava-se “. A reprodução ilimitada de imagens, sons e palavras alteram agora as relações entre o passado e o presente: com a dinamização das fontes históricas, os registros(e as interpretações) dos acontecimentos não ficaram mais escondidos num gabinete. Os documentos históricos deixavam aos poucos de serem rigidamente apropriados/controlados pela máquina do Estado. A reflexão histórica não é mais uma exclusividade de monarcas, clérigos, ministros, jornalistas e acadêmicos. Ao passo que ocorre a dinamização de novos temas e objetos na produção do conhecimento histórico, os trabalhadores encontram no lazer do cinema a possibilidade de conhecerem a história: os filmes permitem que os mortos representados possam agir diante dos vivos, que eventos do passado se façam presentes durante o tempo de exibição da película.

Se é fato que a diversão ou a distração propiciados pelo cinema puderam e podem alienar( e assim reproduzir a ideologia dominante para assegurar a exploração capitalista) , não se pode perder de vista que ao disseminar o conhecimento da vida, da realidade, da história, o cinema também pode contribuir para o desenvolvimento da consciência política dos sujeitos históricos. Foi pensando exatamente nesta capacidade crítica do objeto fílmico representar o passado para agir no presente, que o pessoal do CACHOEIRA selecionou obras que expressam olhares sobre diferentes eventos históricos, inclusive da história do Brasil. Assim a Revolução francesa, a Revolução russa, a Revolta de Spartacus , o Quilombo de Palmares, a Guerra do Contestado, o Maio de 68 , a Guerra de Canudos e a Segunda Guerra Mundial estão entre os temas históricos que são abordados por diversos cineastas. Cabe destacar que a mostra conta tanto com filmes de ficção quanto documentários.

Mais informações sobre a programação desta mostra de filmes que terá seu início no mês de março, estarão em breve disponíveis no Museu da Imagem e do Som de Campinas. Diante do obscurantismo religioso e dos crimes cometidos sistematicamente pelos assassinos da memória, a exibição destes filmes não forma apenas um oásis cultural mas um foco político de oposição.

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