Realizado no Teatro Oficina, “Segunda Queda” é uma denúncia poética das brutalidades sofridas pela população LGBT
Por Pedro Stropasolas
O Brasil continua sendo o país que mais mata travestis e transexuais em todo o mundo, de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Na noite da terça-feira (4), porém, São Paulo (SP) ecoou um grito da cultura trans por representatividade e respeito.
O espetáculo “Segunda Queda” reuniu centenas de pessoas no emblemático Teatro Oficina, na região central da capital paulista, para afirmar como o teatro pode pautar a política e surgir como instrumento de resistência para a população LGBT em um cenário autoritário e brutal.
A peça tem como protagonistas Verónica Valenttino, Nathiaga Borges e Ave Terrena, com direção de Claudia Schapira e Ave Terrena, e tem a participação de um coro interseccional convidado especialmente para a apresentação.
Depois da apresentação, a cantora Linn da Quebrada realizou uma breve apresentação.
Cenário Teatro Trans
Em São Paulo, Ave Terrena já levou aos palcos a violência do regime militar sobre os corpos transgêneros. A peça “As três Uiaras de SP City”, desenvolvida junto ao grupo Laboratório de Técnica Dramática, em 2018, teve como inspiração os relatórios da Comissão da Verdade.
Em “Segunda Queda”, o roteiro foi criado a partir de suas poesias, arte em que começou a “se experimentar como a mulher que sempre foi”. Ela explica que a expressão “queda”, do título do espetáculo, é vista a partir de uma imagem positiva: “A gente pega todas essas palavras que são usadas para nos ofender e reverte o sentido delas, então isso é a queda”.
Ave Terrena acredita que o teatro pode pautar a política, e surge como instrumento para a coletividade da população LGBT.
A gente tá ecoando vozes de várias outras pessoas que não são ouvidas, não são faladas.
“A coletividade traz uma mudança estrutural, pra gente conseguir olhar pro corpo de uma pessoa trans ou travesti de forma naturalizada. De forma que não venha o corpo trans antes da artista. Mas que esse seja mais um dos aspectos dessa pessoa, que tá trilhando seu caminho e tentando construir uma vida, uma vida na arte”, explica.
Nathiaga Borges também acredita no teatro e na coletividade trans. Para ela, a importância da peça aumenta em tempos em que há aumento das ameaças à população LGBT, historicamente marginalizada e desumanizada.
“Acho que essa peça tem muita importância, porque é uma linguagem do que essas pessoas que não têm voz podem dizer. Eu acho que nesse momento a gente tá ecoando vozes de várias outras pessoas que não são ouvidas, não são faladas. Não nesse lugar de prepotência, de que estamos falando por todas, mas num lugar de que pelo menos algumas estão conseguindo falar. Eu acho que é uma denúncia poética, é uma abertura do diário de bordo de cada pessoa”, disse.
Já Verónica Valenttino ressaltou a beleza de poder ver um teatro repleto de corpos trans e o papel da arte como agente de mudança social.
“Eu acredito na arte como única arma de transformação social. A gente, claro, que não pode garantir uma transformação social de fato ou que aquela pessoa vá ser transformada, a gente não pode garantir isso, mas a gente pode atravessá-los, a gente pode tocá-los e a gente pode fazer com que eles reflitam sobre quem sou eu, onde estou, que país é esse, que amor é esse que tenho pregado, que aceitação é essa. A arte é capaz de revelar essas coisas.”
III Semana da Visibilidade Trans
A apresentação faz parte da III Semana da Visibilidade Trans, organizada pela Casa 1, um espaço de acolhimento para pessoas LGBT expulsas de casa por suas orientações afetivas sexuais e identidades de gênero.
O local também conta com um centro cultural para atividades culturais e educativas, além da Clínica Social Casa 1, que realiza atendimentos médicos e terapias voltados para a promoção da saúde mental da comunidade LGBT.
Ao longo do ano, a Casa 1 irá trazer uma série de profissionais trans para ministrar cursos e atividades buscando evidenciar talentos trans em todas as áreas.