Milho transgênico contamina sementes crioulas de agricultores familiares

Produtores relatam prejuízos econômicos e culturais por conta de plantações de produto geneticamente modificado

Trabalhadores do campo e especialistas questionam as regras atuais destinadas às plantações de milho transgênico / Foto: Antonio Costa / Fotos Públicas.

Por Cristiane Sampaio.

O agricultor familiar Odair Pristupa, morador do município de Rio Azul, no Paraná, tem uma relação visceral com o campo. Hoje com quase 30 anos, ele atua desde a infância na roça, onde cultiva milho, feijão, abóbora, mandioca, batata-doce e outros gêneros.

No ano passado, a rotina de aparente tranquilidade da produção foi interrompida por um susto causado pelo que chama de “grande decepção”. Depois de comprar, de outro agricultor, 40 kg de sementes de milho crioulas, e passar cerca de oito meses cultivando o produto na lavoura, Pristupa descobriu que elas estavam contaminadas por milho transgênico. Os resultados foram a perda dos R$ 400 investidos na compra e ainda a frustração da família, que vive da agricultura.

“Eu plantei no intuito de, quando tivesse feira ou alguma venda, a gente pudesse vender, até pra ter uma renda a mais pra família. Não pude comercializar e nem ficar com essa semente. Pra um novo plantio, tive que comprar novamente semente crioula. Foi todo um ano de trabalho, toda uma expectativa. É você ter que voltar à estaca zero”, lamenta.

Transgênicos colocam em risco outros cultivos

O episódio envolvendo a produção do agricultor é um drama que atinge trabalhadores do campo de diversas outras regiões do país. O agroecólogo Philipe Caetano, do Movimento Camponês Popular (MCP), explica que as plantações de milho transgênico trazem riscos aos cultivos de lotes próximos porque o pólen da planta é levado, pela ação dos ventos, a fecundar a flor fêmea de uma planta crioula.

Com isso, as sementes crioulas, diretamente associadas ao caráter tradicional da agricultura familiar, ficam contaminadas.

“Quando ocorre uma contaminação, não é impossível, mas é praticamente impossível se descontaminar porque é um processo muito caro, e a agricultura familiar, camponesa não tem condições pra isso. E aí, quando contamina, você deixa de acessar alguns mercados, por exemplo”, explica o especialista.

Por esse motivo, trabalhadores do campo e especialistas questionam as regras atuais destinadas às plantações de milho transgênico. A Resolução Normativa (RN) nº 4, de 2007, determina uma distância igual ou superior a 100 metros ou, de forma alternativa, define que devem ser considerados 20 metros com uma borda de 10 fileiras de milho convencional para mensurar o espaço entre esse tipo de cultivo e as plantações não transgênicas.

Plantação contaminada

Camponeses apontam, no entanto, que a medida não garante a segurança no campo. É o que afirma o agricultor familiar Silvestre de Oliveira Santos, do município de Fernandes Pinheiro, Sul do Paraná. No ano passado, ele teve uma plantação contaminada pelo milho geneticamente modificado de uma propriedade vizinha localizada a cerca de 500 metros da sua.

Santos conta que perdeu uma variedade de milho crioulo de grande valor para a família, que a mantinha há 35 anos. A parte contaminada da plantação estava sendo cultivada há cerca de três anos.

“Eu tenho 4 hectares de terra aqui no trabalho, então, sou agricultor familiar pequeno. Tem a minha esposa e minha filha e nós fazemos tudo no trabalho braçal. A gente não tem maquinário, faz tudo com tração animal. É disso que eu sobrevivo”, desabafou, acrescentando que o prejuízo foi incalculável.

Diante dessa experiência, ele é hoje um dos agricultores que aguardam com ansiedade o julgamento de uma ação civil pública (ACP) que trata sobre o tema. Apresentado em 2007 por organizações da sociedade civil, o pedido é para que a Justiça determine a realização de estudos e análises consistentes para definir regras que garantam uma maior segurança no que se refere às distâncias relacionadas ao milho transgênico.

“Tem que alguém das autoridades tomar providência, senão não sei como vai ficar”, afirma Silvestre, mencionando a ação.

O processo tramita atualmente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e tinha julgamento marcado para dezembro de 2019, mas foi adiado. Ainda não há nova previsão de data para a apreciação do pedido, que é assinado pela ONG Terra de Direitos, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Associação Nacional de Pequenos Agricultores (Anpa) e a Assessoria de Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA).

Valorização

Enquanto isso, os camponeses seguem em campanha permanente pela valorização das sementes crioulas. O agroecólogo Philipe Caetano destaca que elas têm elevado valor cultural para as comunidades rurais, constituindo a base de uma cadeia que relaciona natureza, homem e valores ligados ao trabalho.

“Cada semente dessa tem uma história e uma característica. Tem milho, por exemplo, que é bom pra fazer artesanato. Já tem outros [agricultores] que preferem um milho que cresça mais, porque serve de alimentação pros animais. Então, cada variedade carrega uma história, uma cultura, uma renda, um trabalho”.

Profundo conhecedor do assunto, o agricultor paranaense Odair Pristupa conhece bem o valor do produto, que ele destaca ser ainda de maior qualidade e ter custo mais baixo que as sementes transgênicas.

“Fora [o fato de ser] um meio de subsistência da família, tem todo um trabalho de você ter sua semente, de elas se reproduzirem muito bem e já estarem adaptadas à questão do clima e ao solo. E sem tirar a questão do valor sentimental mesmo. Tem família que acaba até colocando o seu sobrenome na semente”, conta.

A população do campo teme que um eventual avanço do cultivo de transgênicos leve a uma multiplicação dos danos provocados por esse tipo de plantação, como a diminuição da variedade de alimentos.

Philipe Caetano cita como exemplo o caso da fava, cuja semente hoje é produzida somente por pequenos agricultores, estando fora do portfólio das companhias do agronegócio que dominam o mercado.

“As empresas se restringem a produzir sementes de algumas poucas culturas, e aí a gente vai perdendo costumes e um pouco da nossa história também. A partir do trabalho dos agricultores, a gente conserva uma agrobiodiversidade gigantesca”, compara o agroecólogo.

Edição: Leandro Melito.

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