Uma vida para não esquecer Bezerra da Silva

Dona Amara guarda discos e recortes de jornais que falam do primo Bezerra da Silva

Por Rani de Mendonça

Os CDs que Amara diz foram gravados de forma caseira em uma gráfica perto da sua casa / Rani de Mendonça

Em solos pernambucanos, quando se pensa em música a ligação é rápida para o frevo ou o maracatu. E, recentemente para o brega funk. Mas, Pernambuco também é produtor de muitos e muitas artistas que compõem, cantam e dançam samba. Amara Pereira da Silva tem 72 anos de idade vividos em Recife e alguns no Rio de Janeiro e é uma dessas amantes do ritmo. Mulher negra, sonha em ser cantora. Entretanto, não para si mesma, não para ter sucesso somente, mas para que as pessoas não esqueçam as músicas e as memórias de uma das pessoas mais especiais de sua vida. Ela é “prima legítima”, como gosta de se intitular, de um dos maiores cantores e compositores de samba do Brasil. Pelo ‘Silva’, pelo samba e por ser pernambucana, já dá para saber que é de Bezerra da Silva que estamos falando.

Amara é sorridente, gosta bastante de cantarolar a música “A semente”, escrita pelo primo. Depois de um tempo de conversa, dá para entender que é porque a semente mesmo está dentro do coração dela. Foi lá que brotou uma motivação que norteia seus dias e sua vida. “Eu pensava: meu Deus, porque não falam de Bezerra da Silva na TV? Eu preciso fazer alguma coisa para ele não ser esquecido da mídia. Eu comprei um som e um microfone e fico cantando em casa. Pelo menos os vizinhos não esquecem. E agora gravei um CD”, conta.

José Bezerra da Silva nasceu no Recife e morou no bairro de Campo Grande até os 15 anos de idade, quando resolveu fugir a contragosto da família, para o Rio de Janeiro, escondido em um navio de açúcar. Teve uma trajetória de altos e baixos, morou na rua por muito tempo, até se tornar um dos maiores cantores e compositores da música brasileira. Iniciado na música pelo coco de Jackson do Pandeiro, começou, em 1950, sua carreira como ritmista na Rádio Clube — tocava tamborim, surdo e instrumentos de percussão em geral. Suas primeiras composições, “O Preguiçoso” e “Meu Veneno”, foram gravadas por Jackson. Compôs letras ácidas, que atira contra questões sociais. Uma boa demonstração disso é a faixa “Partideiro Sem Nó na Garganta” do disco “Presidente Caô Caô”: “Dizem que sou malandro, cantor de bandido e até revoltado. Porque canto a realidade de um povo faminto e marginalizado”.

Amara por sua vez, nasceu em Olinda e lembra muito lucidamente dos nomes das ruas e os números das casas que contam sua história. Viveu com uma tia, porque a mãe faleceu tempos depois do seu nascimento. Conta também que teve pouca oportunidade para estudar, por isso cursou até a 4ª série do ensino fundamental e começou a trabalhar muito cedo, caminho que não queria que sua filha Ana Paula seguisse. Por causa disso, ela voltou do Rio de Janeiro, depois de morar e trabalhar por 3 anos, para que Ana Paula pudesse estudar. Hoje, a filha é técnica de enfermagem e trabalha como agente comunitária ambiental de Olinda e tem um filho, Paulo Roberto, neto de Amara, de 19 anos, que acabou de concluir o ensino médio.

Mesmo no trabalho desde cedo, dona Amara se orgulha por ter construído laços com pessoas que gostam muito dela e que, de certo modo, a ajudam em relação à música. “Eu já me aposentei. Mas, mesmo assim, ainda sou chamada para cuidar dos filhos de Júnior (pessoa que ela trabalhou há anos, ainda quando ele era pequeno), porque eles gostam muito de mim e eu deles. E ele me ajuda muito vendendo meus CDs”, conta.

Os CDs que Amara diz foram gravados de forma caseira em uma gráfica perto da sua casa. Ela mesma juntou um dinheiro e foi lá eternizar sua voz à do primo, em canções como “Cadê meu boi”; “Malandro Moderno”; “Produto do Morro” e outras. É ela também que anda com alguns exemplares dentro da bolsa oferecendo para as pessoas que ela conversa. E são várias, porque ela tem bastante facilidade em conhecer pessoas e conversar bastante com elas. Sobre o futuro da música dona Amara é enfática ao dizer: “quero dar certo com os meus CDs e fazer shows para Bezerra da Silva não ser esquecido”.

2005 foi o ano de falecimento de Bezerra da Silva, momento que marcou muito a vida de Amara porque, como ela conta, muita coisa ficou inacabada. “Ele começou a me ensinar a tocar pandeiro e disse que da próxima vez que viesse aqui para Recife compraria uma casa para mim. Não deu tempo, mas eu sou muito grata a ele mesmo assim, porque ele é uma pessoa importante para o nosso país”, relembra emocionada, porque a casa é também o seu maior sonho.

 

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