Canasvieiras: O verão da praia alargada

    Foto: PMF

    Por Paulo Pagliosa.

    O verão é a estação do ano que se guarda na memória. Tem o verão da lata, o verão dos argentinos, o verão do ascarel. Geralmente, o fator que dá nome às férias de verão e fica no imaginário coletivo não tem como protagonista alguém próximo de si. No caso do verão da praia alargada não foi diferente. Quem planejou a temporada foram os atores das lembranças que ficarão na memória de quem veraneia na Ilha. O planejamento dessas férias começou no verão passado, no final de 2018, quando o prefeito de Florianópolis entregou ao governador de SC o projeto de engenharia e o estudo ambiental para o alargamento (ou engorda ou alimentação artificial) da faixa de areia da praia de Canasvieiras.

    A cerimônia marcou a solicitação da liberação da licença ambiental para o empreendimento. Sobre o projeto foi divulgado que a obra abrangeria uma extensão de 2,3 quilômetros e largura de 40 a 50 metros, utilizando cerca de 344 mil metros cúbicos de areia fina. A areia, de cor e tamanho semelhantes ao existente na praia, seria dragada de jazida submarina nas redondezas. Sobre o estudo ambiental nada foi divulgado, a não ser o fato de se tratar de um estudo simplificado (EAS) e não de um estudo mais detalhado (EIA/RIMA).

    Draga que extrai areia do fundo do mar de Canasvieiras. Foto @scflorianopolis

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    Estudos ambientais não devem fazer parte do imaginário dos veranistas. A avaliação das atividades que causam ou possam causar impacto ambiental são obrigatórios e previstos em lei para o licenciamento das obras. Estes estudos embasam as tomadas de decisão sobre o desenvolvimento das atividades de empreendimentos. A ideia por trás das normativas legais é que se tente garantir a qualidade do meio ambiente, da diversidade biológica e da vida. Em qualquer destes aspectos, em obras de alargamento de praia os impactos negativos têm relação direta com a técnica e as estratégias aplicadas na obra, qualidade e quantidade de areia utilizada, além da época do ano escolhida para a realização da obra, o local e o tamanho da área.

    Com relação à biodiversidade e ao ecossistema da praia, os mais afetados são os organismos que vivem sobre ou entre os grãos de areia, como os crustáceos (tatuíra, maria-farinha, corrupto, siri-chita), a minhoca-da-praia, insetos, moluscos (vôngole, maçambique, oliva, concha-da-praia), equinodermos (bolacha-da-praia), assim como as pequenas algas que vivem entre os grãos de sedimento (microfitobentos) e a vegetação de dunas (plantas vasculares). Esses organismos, que são pouco móveis, são soterrados pela areia depositada na engorda. A mortalidade acontece tanto na área dragada como na área de deposição da areia. O peso das escavadeiras esmaga qualquer sobrevivente que tenha escapado do soterramento. O ruído do maquinário afasta as aves, peixes e os mamíferos marinhos, como aqueles que vivem na ESEC Carijós, Rebio Arvoredo e na APA do Anhatomirin, regiões vizinhas à praia de Canasvieiras.

    Uma potencial recolonização da praia pode ocorrer após alguns meses e fica dependendo das espécies que vivem no entorno da área da obra e de sua habilidade em lidar com as mudanças no alcance das marés, tamanho dos grãos de areia, declive e largura da praia.

    Creio que os efeitos do alargamento da praia sobre a biodiversidade não ficarão no imaginário da temporada de 2020. O verão da praia alargada será lembrado pela presença de tubulações, máquinas escavadeiras, dragas, morros de areia e, infelizmente, afogamentos. Há mais de 50 anos não ocorriam registros de morte por afogamento em Canasvieiras. Onde antes havia uma suave planície de águas calmas, hoje deve haver um declive de 3 a 4 metros. Esse cálculo simples, que tem como base as dimensões da dragagem e do aterro, pode ser grosseiramente diferente daquele indicado no estudo de impacto ambiental realizado para o licenciamento da obra. Os estudos técnicos para esse tipo de obra preveem as mudanças na inclinação da praia e nas correntes marítimas. Porém, de acordo com a instrução normativa n°18 do Instituto do Meio Ambiente, publicada pelo órgão de SC no final de 2018 (mesma data do encontro entre prefeito e governador), estas análises podem ser dispensadas quando se trata de um estudo simplificado. Assim, não sabemos se haverá alguma contestação técnica sobre o valor acima estimado do declive na praia. Afinal, nada foi divulgado sobre os estudos ambientais, a não ser o fato de terem sido simplificados.

    De verão em verão e de planos em planos percebemos que nossas memórias fazem sim parte de um coletivo, que é maior do que o círculo familiar ou de amizades. E, que muitas das nossas lembranças são comuns e não desconectadas dos tomadores de decisão. Prefeitura e estado planejaram o verão de 2020, o que é seu dever, e se fizeram protagonistas de nossas memórias, e de uma forma nada desejável. As lembranças da temporada 2020 terão marcas profundas não somente nos que sofreram perdas, mas também naqueles responsáveis pelas tomadas de decisão. É preciso lembrar que as informações já conhecidas sobre os efeitos ecológicos diretos, indiretos e cumulativos do alargamento de praia (atividades de dragagem e deposição de sedimentos) indicam que esses efeitos não podem ser negligenciados em uma avaliação de impacto ambiental e, ao que tudo indica, também na avaliação de impactos sociais.

    Paulo Pagliosa é professor de Oceanografia e Ecologia.

    A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

    1 COMENTÁRIO

    1. Concordo plenamente Professor Paulo. Não podemos deixar que eles façam isso em outras praias. As pessoas também frequentam estas praias porque o mar é calmo e seguro para as crianças brincarem na água sem tanto risco. Tem recantos que podemos fazer mergulho e ver os peixes. Não é só um tipo de turista que existe! Sem contar o impacto ambiental que a população em geral nem sabe o que é..enfim.

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