Os juros em queda, a lenta recuperação do emprego com carteira assinada e da atividade começam a conter o crescimento mais acelerado da economia informal.
Apesar de andar à margem da legalidade e do pagamento de impostos, a economia informal tem tido papel importante para garantir alguma renda para a grande massa de desempregados que existe hoje no País. Em 2019, a economia informal avançou pelo quinto ano seguido, mas em ritmo mais lento do que o anterior.
Em 12 meses até junho, a economia informal movimentou o equivalente a 17,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do País. É uma parcela ainda muito significativa da economia, a maior dos últimos oito anos e que corresponde a R$ 1,2 trilhão. No entanto, neste ano há o primeiro sinal de desaceleração.
Isso é o que aponta Índice de Economia Subterrânea (IES), calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV) em parceria com o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO).
No critério usado pela FGV, a economia subterrânea inclui a produção de bens e serviços não declarada ao governo para sonegar impostos e contribuições, a fim de reduzir custos. O índice de economia subterrânea é calculado a partir de dois grupos de indicadores. Um deles é trabalho informal. O outro é a demanda da população por dinheiro vivo, que geralmente cresce quando a informalidade aumenta, porque essa é uma forma de burlar o fisco.
No último ano, a economia subterrânea avançou 0,1 ponto porcentual, um ritmo menor do que o registrado entre 2017 e 2018, que havia sido de 0,4 ponto, observa Paulo Peruchetti, economista da FGV, responsável pelo indicador. “Embora o indicador esteja avançando, o ritmo é mais lento do que em anos anteriores e parece que está havendo uma reversão”, afirma o economista.
Impacto da queda da taxa de juros
Um fator que explica, segundo Peruchetti, o ritmo menor de crescimento da economia subterrânea é a queda taxa de juros. Na semana passada, a taxa básica recuou para a mínima histórica de 4,5% ao ano. Com isso, a demanda por crédito formal aumenta e a procura por dinheiro vivo diminui na economia. Mas, por outro, a informalidade do trabalho, que é a outra metade do indicador de economia subterrânea continua alta.
No trimestre encerrado em outubro, havia 11,9 milhões de trabalhadores sem carteira assinada e 24,4 milhões trabalhando por conta própria, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As duas marcas são recordes.
“São duas forças agindo em sentidos contrários: a queda do juro ajuda a conter a economia subterrânea, só que a informalidade do trabalho ainda está atuando muito forte, por isso há crescimento, mas em ritmo menor”, explica o economista.
Outro fator que ajuda a reduzir a informalidade é melhora da economia. No terceiro trimestre, a economia cresceu 0,6% sobre o período imediatamente anterior, superou as expectativas e provocou uma revisão para cima das projeções para este ano: de 1% para 1,2%.
Hoje, diz o presidente executivo do ETCO, Edson Luiz Vismona, estamos identificando a volta de crescimento da economia formal. “E o movimento é de uma gangorra: quando a economia formal sobe, a informal desce.” Por isso, ele acredita que, se a economia continuar num processo de crescimento mais sustentável, a expectativa é que a informalidade caia nos próximos anos.
Além de fatores conjunturais, há obstáculos estruturais que dificultam o recuo da economia informal. Vismona destaca que há setores que mantêm estruturas empresariais para operar na ilegalidade porque desta forma conseguem “um lucro brutal”.
“São devedores contumazes de impostos”, diz. Também o sistema tributário caótico afasta pequenos empreendedores que não conseguem se formalizar.
Outro obstáculo que dificulta o recuo da informalidade é a mudança estrutural que há no emprego. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada diz que o avanço do trabalho informal pode também estar associado à “economia dos aplicativos”. O estudo mostra que a informalidade cresce principalmente nas ocupações por conta própria ligadas aos aplicativos.
“Adoraria trabalhar com carteira”
A última vez que Jota Ramalho da Gama, de 42 anos, pai de cinco filhos, teve carteira de trabalho assinada faz cinco anos. Ele trabalhava como pedreiro na construção civil. “A obra do Minha Casa Minha Vida terminou e todo mundo foi mandado embora”, conta. De lá para cá, Gama só consegue alguma renda trabalhando na informalidade.
“Procurei emprego, mas como estudei até a quarta série, é pouco, a gente não arruma uma vaga. Achei melhor trabalhar por conta própria”, diz. Trabalhou como pedreiro, ajudante, motorista de caminhão transportando água em Alagoas, onde nasceu e moram os filhos. Mas sempre sem registro em carteira. Atualmente Gama vende frutas numa esquina do bairro da Barra Funda, zona Oeste da capital. Tira R$ 1,2 mil líquido por mês, mas o seu sonho é voltar a ter carteira assinada, mesmo ganhando menos. “Adoraria trabalhar com carteira assinada, ter mais garantias e seguro desemprego, se fosse demitido”, diz.
Já o ambulante Almir José da Silva, de 31 anos, nunca trabalhou com registrou em carteira e também não faz questão. Vendendo bermudas no verão e meias no inverno como ambulante no bairro da Lapa, zona Oeste de São Paulo, ele chega a tirar líquido entre R$ 2 mil e R$ 3 mil por mês. “Se tivesse carteira assinada ia ganhar bem menos.”
Silva não tem registro de ambulante nem contribui como autônomo para se aposentar, mas aceita pagamento em cartão dos clientes, um sinal de alguma formalização. Mas a maquininha de cartão está em nome da sua mulher, que trabalha com carteira assinada. Ele reclama do movimento fraco neste fim de ano e diz que concorrência entre os informais cresceu.