Reserva Extrativista Chico Mendes sob ameaça: ministro suspende fiscalização ambiental após conversa com grileiros e infratores

Foto: Mazilda Crupe

Por Mônica Nunes.

Mais uma medida truculenta do ministro do meio ambiente Ricardo Salles contra o povo da floresta. Ele suspendeu a fiscalização da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes. Isto, depois de se reunir com grileiros e infratores ambientais conhecidos, reconhecidos e autuados (dois deles, condenados pela Justiça Federal), no início de novembro, em Brasília. Eles queriam conversar sobre o futuro da reserva e reclamar das ações de agentes do ICMBio, que classificaram de truculentas.

Hoje, os bandidos se sentem à vontade para circular por Brasília e sentar à mesa com representantes do governo para fazer suas reivindicações. Estão legitimados pelo governo a exigir direitos que não têm e atuar contra a proteção do meio ambiente e das comunidades que nele vivem, certos do apoio que buscam ou reivindicam.

Criminosos com nome completo e foto

Foto: Folha, Rede Brasil Atual, Imazon

Veja seus currículos, apurados pela reportagem da Folha de São Paulo:

Jorgenei da Silva Ribeiro é ex-procurador-geral de Justiça do Acre e advogado, autuado pelo ICMBio e denunciado à Justiça Federal JF) por permitir a abertura de uma estrada ilegal (envolvendo Rodrigo Santos, abaixo) dentro da Resex Chico Mendes, desmatando 71,5 hectares, que estaria sendo financiado por ele. Em setembro, ele foi denunciado pelo MPF à Justiça Federal pelo desmatamento de 71,5 hectares para a abertura da estrada.

A via seria usada para escoamento de madeira. E mais: ele diz que é dono de uma área chamada Seringal Senegal, ao lado da reserva, mas, de acordo com relatório da CPI da Grilagem, concluída em 2001, esta área não tem título definitivo expedido pelo Poder Público e está registrada de forma irregular no cartório de Sena Madureira, Acre.

De acordo com o MPF, “foram abertas na floresta: uma estrada principal, uma estrada secundária, e uma clareira ao lado de um igarapé onde foi construído um local típico de acampamento”. O órgão o acusa de causar dano direto a uma unidade de conservação, crime que penaliza o responsável com um a cinco anos de prisão.

Rodrigo Oliveira Santos é pecuarista desmatador e grileiro da reserva, não mora nela. Em 2016, a JF determinou a reintegração de posse contra Santos. Sentenciado em primeira instância pela JF, ficou preso em julho de 2018, por alguns dias, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), após ter sido flagrado abrindo um ramal (estrada de terra) ilegal dentro da reserva. Foi solto porque o juiz entendeu que o ICMBio não poderia ter dado voz de prisão. Em conversa gravada e entregue à Polícia Federal, ele disse: “Cadeia, a gente entra e a gente sai. Caixão, não, só tem entrada, não tem saída”. Foi indiciado por ameaça de morte a servidor do ICMBio que o multou.

Gutierri Ferreira da Silva é fazendeiro condenado pela JF por desmatamento na reserva. Já Fátima Abreu Sarkis, fazendeira, mantém um haras na unidade de conservação Chico Mendes, onde cria gado e encobre atividades de seringueiros. Foi autuada pelo Ibama ICMBio, mas obteve liminar para continuar na reserva. Por usa vez, o fazendeiro Uenderson de Brito, que cria gado em 400 hectares dentro da reserva, já foi autuado pelo ICMBio por desmatamento e quebra de embargo e notificado para sair, mas conseguiu liminar na JF para permanecer lá.

Parece surreal essa gente desqualificada reunida com Salles, mas os seis “fora da lei” (considerando o ministro) ainda tiveram a companhia de sete parlamentares das bancadas do boi e evangélica, a maioria com projetos para devastar a Resex Chico Mendes:

– o Vereador Gessi Capelão (MDB), de Xapuri, defende a expansão do gado na reserva e a redução do seu território. Sua proposta é excluir 19 mil hectares ou 2% da unidade de conservação, pois está próximo a Xapuri, onde a pecuária já predomina e não o perfil extrativista. Sobre a ordem de suspender a fiscalização, ele confirmou à Folha que “O coronel Homero Cerqueira, presidente do ICMBio, declarou: ‘Vamos suspender a operação devido ao abuso de autoridade por parte do ICMBIO, portanto peço que não degrade as terras’. E estou levando essa informação aos produtores rurais da reserva para que não degradem mais as terras, senão daqui a pouco não teremos as matas”. Poxa… ;
– Deputada federal Mara Rocha (PSDB), que junto com o senador Marcio Bittar (MDB-AC), prepara projeto de lei para reduzir a reserva, suprimindo as áreas que já foram tomadas pela pecuária, o que beneficiaria os pecuaristas Rodrigo, Uenderson, Fátima e Gutierri;
– Senadora Mailza Gomes (PP-AC), condenada em segunda instância por improbidade administrativa, é da bancada evangélica (ao lado de Salles, na foto);
– Deputada federal Vanda Milani (SD-AC), mãe do secretário de meio ambiente do Acre, Israel Milani, é cunhada do “deputado da motosserra” Hildebrando Pascoal (condenado por homicídio e formação de quadrilha), que, em 2018, gravou vídeo de apoio “incondicional” à sua campanha. Tudo em família;
– Deputado federal Alan Rick (DEM-AC), ao lado de Salles, na foto;
– Deputado federal Jesus Sérgio (PDT-AC) e
– Senador Sérgio Petecão (PSD-AC)

Os três últimos parlamentares não têm projetos nem ações relevantes contra a reserva, mas são apoiadores. Na foto para a posteridade, contando com o ministro, há 14 pessoas, uma delas não identificada (que está atrás de todos, à esquerda). São os exterminadores do futuro da Resex Chico Mendes.

A reserva ameaçada por Salles é líder no ranking das áreas protegidas mais desmatadas

Dois dias após Bolsonaro liberar a exploração da Amazônia e do Pantanal para a cana-de-açúcar, no inicio de novembro (que foi o mesmo dia em que Salles recebeu o grupo de grileiros, 6/11), o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) divulgou estudo sobre o aumento do desmatamento em áreas protegidas (APs) na Amazônia. De agosto de 2018 a julho deste ano, foi de 39%, quando comparando ao período anterior, o que corresponde a 5.054 km2 de florestas derrubadas na Amazônia Legal.

Chamou muito a atenção o fato de que as mesmas áreas protegidas continuam no ranking das que mais sofrem ameaça e pressão, entre elas, a Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, no Acre – que se manteve na liderança das mais ameaçadas – e a Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, no Pará.

Para o instituto, pressão é quando o desmatamento ocorre no interior da AP, levando a perdas ambientais e possível redução ou redefinição de limites. Ameaça é quando há risco iminente de ocorrer desmatamento no interior da AP.

Somente neste ano, a Resex Chico Mendes perdeu 74,5 km de floresta, de acordo com dados do Inpe (sistema Prodes), o que significa aumento de 203% em relação ao ano passado. Para ser ideia da dimensão da destruição, a área desmatada equivale a quase dois Parques Nacionais da Tijuca (RJ), que é a maior floresta urbana do mundo.

Se já é assim com fiscalização, imagine sem. O crime ambiental só vai crescer!

A reportagem da Folha contou que, em 27 de novembro, flagrou “a queimada de uma área que havia sido embargada pelo ICMBio em outubro. O lote destruído foi negociado ilegalmente entre dois moradores da Resex“. As perguntas enviadas por escrito para Salles foram ignoradas. E o pedido de entrevista com a deputada Mara Rocha ficou sem resposta.

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