Uma reintegração de posse, no domingo (27), expulsou 40 famílias de um cortiço situado na região da Luz, no Centro de São Paulo. Muitas viviam há mais de nove anos no local. A ação foi conduzida apenas pela Polícia Militar e os proprietários do imóvel.
O despejo estava marcado, mas não foi oficializado junto à Secretaria Municipal de Assistência Social e nem ao Conselho Tutelar do Distrito da Luz, que não enviaram representantes ao local. As famílias e crianças, desassistidas e sem morada, permanecerem na calçada ao lado do prédio, vendo seus pertences serem recolhidos e colocados em caminhões contratados pela própria gestão municipal.
O imigrante peruano Gustavo Andrey é um dos que ficou na rua. Pai de um bebê de 7 meses e uma criança de 7 anos, que está no meio do ano escolar, ele teme o futuro da família – agora sem casa.
“É só o direito das crianças, porque nós somos desfavorecidos, né. Ainda mais o Brasil que é um país muito rico, por que tem que fazer isso com os bebês? Por que não dão assistência, ajudam as crianças a acessar um lugar melhor? Nós podemos sofrer, mas eles não merecem”, enfatiza.
Das 40 famílias que viviam no edifício, situado na avenida Duque de Caxias, 39 permanecem nos arredores do cortiço e buscam por um nova moradia. Uma família foi acolhida na Ocupação Prestes Maia, também na região da Luz.
“Tem bastante criança aqui nesse cortiço e a gente não vê nenhuma área da prefeitura aqui acompanhando. Um conselheiro tutelar da região nos comunicou que não foi oficializado sobre a data do cumprimento da reintegração”, explica Vivian Mendes, advogada que prestou auxílio as famílias no local.
Criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, o Conselho Tutelar é um dos principais órgãos de democracia participativa no Brasil. Entre as atribuições estabelecidas pela lei está a de “representar contra a violação de direitos” de crianças e adolescentes.
“É justo fazer isso? Oprimir. Dar minutos pra gente tirar nossa mudança? Cadê nossos direitos de humano, tá onde? Cadê o conselho tutelar pra ajudar nossas crianças e fazer nosso cadastro que não fizeram? a dona tem o direito de fazer isso?”, desabafa Gezivane Oliveira, uma das moradoras.
Para o advogado popular Benedito Roberto Barbosa, a ação infringe a resolução nº 10 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos. “Os atos de reintegração de posse tem que ser feitos em dias públicos, não em finais de semana, e precisam ter um plano de atendimento com respeito às crianças, principalmente as que estão no meio do ano letivo”, esclarece.
O texto esclarece que “durante a remoção devem estar presentes representantes dos órgãos locais de assistência social (Cras e Creas) e de proteção à criança e ao adolescente (Conselho Tutelar)”. Além disso, “não deverão ser realizadas remoções que afetem as atividades escolares de crianças“. Questionada, a Polícia Militar não quis responder à reportagem no local. A reportagem enviou e-mail à assessoria da PM mas, até a publicação desta reportagem, não obteve resposta.
Um dia antes do despejo, no sábado (26), a Prefeitura declarou de utilidade pública, para desapropriação, 816m² em imóveis particulares situados no centro de São Paulo. Até o momento, ela não se manifestou sobre a ação.
Segundo o levantamento do Observatório de Remoções, projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foram retiradas mais de 28 mil famílias de ocupações na na Grande São Paulo, entre janeiro de 2017 a junho de 2019. Outras 170 mil famílias ainda podem ser removidas.
Conforme dados do Grupo de Mediação de Conflito, da Secretaria Municipal da Habitação, São Paulo tem 45.872 famílias vivendo em 206 ocupações – 53 na região central da cidade.
Edição: Rodrigo Chagas.
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