Algumas Palavras: Uma imagem que iria se perder no vórtice.

Algumas Palavras
Uma imagem que iria se perder no vórtice.

Por Luciane Recieri. Brasil

Rasguei-me inteira para ver de que sou feita – sou feita de seda e pó e sem costuras porque sou humana.

Há coisa de uns vinte anos, resolvi dar um presente definitivo a um amigo. Se pudesse, me embrulhava em papel de seda, punha fitinha e me mandava para a casa dele, mas não podia nem tinha coragem. Precisava de um substituto para mim mesma, um eu-em-miniatura, que coubesse num embrulho de presente e não fosse muito caro.
Eu, pura, ingênua, angustiada pela imensa responsabilidade de existir, mas crítica, valente, pronta a participar se encontrasse algo que valesse a pena, era antes de tudo uma grande interrogação e foi numa loja que me encontrei em forma de livro: falava do amor e do carinho que queria dizer em ritmo sofrido; tratava a vida como objeto não-identificado com sabor de bergamota italiana; perguntava tudo e semi-respondia alguma coisa. Comprei. Pedi para embrulhar para presente e Quintana foi morar pra sempre (na minha estante).
A tentativa de homenagem foi simpática, mas no meio daquilo tudo comecei a ser tomada por uma sensação estranha – estava forjando minha personalidade, gostando de lingüística, literatura, mais de cinema europeu e latino-americano e acreditando em Marx. Aquele painel de imagens desabrochando pra vida, meus olhos sequiosos ao mesmo tempo de amor e de conhecimento. Não era eu o primeiro plano de uma imagem que iria se perder no vórtice de uma perspectiva interminável, como num jogo de espelhos? Hoje só sei que diante de mim existe aberta uma grande porta escura, além dela é o infinito. Um infinito que não acaba nunca! Só sei que a vida é muito curta para viver e muito longa para morrer.

Imagem: Vanessa Bortucan.

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