‘O que a gente está vivendo no litoral do Nordeste é assustador’, diz professor da Ufal

Brasil vive o maior desastre de derramamento de óleo em termos de extensão da costa. Dos 8,5 mil quilômetros costeiros, mais de 2 mil foram atingidos.

21 10 2019 Cabo de São Agostinho PE. Foto: Léo Domingos

Por Marcella Fernandes.

“O que a gente está vivendo no litoral do Nordeste é algo assustador. Uma tragédia. A gente nunca viu nada parecido na vida, então é muito difícil estimar qualquer impacto. Qualquer informação agora vai estar sendo brutalmente subestimada porque há um volume muito grande de óleo que está chegando ainda às praias.”

O depoimento é do oceanógrafo e professor Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Claudio Sampaio, que tem atuado na mobilização para retirar o óleo que atinge todos os estados nordestinos. É o maior desastre desse tipo em termos de extensão da costa brasileira. Dos 8,5 mil quilômetros costeiros, mais de 2 mil foram atingidos.

O desastre ambiental se arrasta há mais de um mês e como o Ministério do Meio Ambiente não acionou o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água, o trabalho tem sido feito de forma não articulada e majoritariamente por voluntários, muitas vezes sem a proteção adequada. Por isso, a conduta do ministro Ricardo Salles é crítica unânime entre os ambientalistas.

“O óleo cru causa irritação. Pode causar quadros alérgicos. Há voluntários sem luva, sem sapato adequado. Muitas vezes sem máscara ou proteção nos olhos. Isso pode causar irritação das vias aéreas e dos olhos. Isso tudo deve ser muito bem informado aos voluntários. Vi foto de pescador com saco na mão removendo óleo nessas praias. É muito preocupante isso”, afirma Sampaio, que tem atuado na capacitação em Alagoas.

De acordo com o professor, funcionários das prefeituras em diversos municípios foram liberados do expediente para ajudar na retirada do óleo e há uma grande mobilização social no litoral norte alagoano e no sul de Pernambuco. “São pessoas que muitas vezes vivem da pesca e do turismo e estão defendendo o seu pão de amanhã”, afirma. Em muitas cidades, o turismo e a pesca são as principais fontes de renda, ambas gravemente afetadas pelo derramamento.

CLÁUDIO SAMPAIO/UFAL
Sem o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água, o trabalho tem sido feito de forma não articulada e majoritariamente por voluntários, muitas vezes sem a proteção adequada.

Impacto no turismo

As consequências do desastre ambiental causam impacto nas atividades turísticas. “A gente já sabe de cancelamentos de excursões. Muito gente estava agendando as férias nessa região e mudou de destino turístico”, afirmou Sampaio.

Nesta sexta-feira (18), as manchas chegaram à Praia de Carneiros, no litoral pernambucano, um dos principais cartões postais do País. Também foi encontrado óleo em Tambaba (PB), na Praia do Francês (AL) e em Salvador. Em Fortaleza (CE), a classificação de 11 praias como imprópria para banho, incluindo a Praia do Futuro, reduziu o movimento das barracas em torno de 40% no último fim de semana, segundo a Associação dos Empresários da Praia do Futuro (AEPF).

O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, não se pronunciou sobre o assunto. Ele é alvo de investigação sobre o uso de candidaturas laranjas nas eleições de 2018.

CLÁUDIO SAMPAIO/UFAL
Derramamento de óleo no litoral nordestino já impacta no turismo. Em Fortaleza (CE), a classificação de 11 praias como imprópria para banho, incluindo a Praia do Futuro, reduziu o movimento das barracas em torno de 40% no último fim de semana.

O que é o Plano Nacional de Contingência?

Na última quinta-feira (17), o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação contra a União por omissão. O documento pede que o Ministério do Meio Ambiente acione o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água, sob multa de R$ 1 milhão por dia.

Previsto em decreto desde 2013, o plano é um tipo de guia de como atuar em situações como a que está em curso no Nordeste. Ele articula a atuação de diferentes esferas. “Considerando a situação atual, o plano deveria ter sido acionado no dia 30 de agosto ou 2 de setembro, quando as primeiras manchas alcançaram a região costeira do Nordeste e até hoje não fizeram nada”, afirmou Ricardo Menghini, do Instituto Oceanográfico da USP (Universidade de São Paulo).

De acordo com o especialista, o plano também estabelece que aqueles ecossistemas mais vulneráveis deveriam ser priorizados para evitar que sejam atingidos pelo óleo. “Recifes de corais e manguezais são áreas berçário. Muitas espécies marinhas usam em período reprodutivo ou de crescimento. São ecossistemas de altíssima biodiversidade. Você não consegue proteger 2 mil km de costa, mas com um plano desses consegue priorizar áreas mais sensíveis”, afirmou.

As chamadas Cartas de Sensibilidade Ambiental a Derramamentos de Óleo (Cartas SAO), elaboradas por gestões anteriores do MMA, estabelecem quais são essas áreas prioritárias.

Hoje um grande medo dos pesquisadores é que a mancha chegue até o banco de Abrolhos, onde está concentrada a maior biodiversidade em recifes no Atlântico Sul.

A dificuldade de retirar o óleo também faz com que a maré leve o material para outras praias. Além disso, há um impacto do chamado óleo solubilizado, que não é possível de retirar manualmente. ”Essa parte vai ficar presente naquele ambiente contaminando pequenos animais, que vão ser ingeridos por animais maiores, que vão entrar na cadeia alimentar e vão acabar impactando de maneira silenciosa boa parte da vida marinha”, afirma Carlos Sampaio, da Ufal.

De acordo com  Ricardo Menghini, a única forma de atenuar os impactos negativos nesse caso é a própria diluição do óleo. ”É esperar que ele seja carregado para longe da costa e seja solubilizado pela grande quantidade de água nos oceanos”, afirmou.

O número de animais mortos por causa do derramamento de óleo contabilizados pelo Ibama chegou a 14 nesta semana, sendo 13 tartarugas e uma ave.

Política ambiental

Na avaliação de especialistas, a omissão do MMA em acionar o plano de contingência é parte do desmonte das políticas de meio ambiente na gestão Salles. “A política ambiental do governo federal é catastrófica. Difícil apontar uma política ambiental no Brasil que foi pior do que essa, independente de partido ou período econômico. É uma inércia generalizada”, afirma o pesquisador da USP.

Menghini cita que, em resposta a ação do Ministério Público de Sergipe para instalar barreiras de contenção, o Ibama alegou que “as barreiras não têm eficiência comprovada ou vai gastar muito dinheiro e elas não necessariamente vão ser eficientes, mas isso não condiz com a realidade dos fatos”.

Ambientalistas também apontam a localização do desastre como um fator para o descaso. “Há uma questão de apelo de mídia e da população. Imagina se o óleo chegar à praia de Ipanema, em Maresias, Santos, Guarujá. Provavelmente o alarde ia ser maior. E o próprio governo federal tem uma certa resistência aos governadores do Nordeste”, afirmou Menghini. A região tem quatro estados governados pelo PT e um pelo PCdoB.

Para Cláudio Sampaio, o derramamento não chamou tanta atenção de parte dos brasileiros porque não estamos no verão. “Se essa tragédia nas nossas praias acontecesse no Rio de Janeiro, na ilha de Florianópolis, qual seria a repercussão? E o fato de estar também antes do período da alta estação também reduziu um pouco o interesse da sociedade”, afirmou.

No auge da crise ambiental envolvendo queimadas e desmatamento na Amazônia, a mudança de postura do governo ocorreu na semana em que o céu da cidade de São Paulo ficou escuro e a repercussão internacional cresceu.

Petróleo da Venezuela

Quanto ao plano de contingenciamento, o ministro Ricardo Salles afirma que ele foi acionado em setembro, mas de acordo com o MPF não foram apresentados detalhes sobre essa atuação. Essa percepção do Ministério Público é compartilhada por quem está atuando na ponta, na retirada do petróleo das praias. Tanto o Ibama quanto a Marinha também têm trabalhado no litoral.

O ministro nega demora do órgão. “Todos estão trabalhando de maneira ininterrupta, desde o aparecimento da mancha no dia 2 de setembro. Não se poupou nenhum esforço”, diz, em nota do ministério. “Estamos fazendo o monitoramento por meio de satélites brasileiros e estrangeiros e aeronaves com radar. Helicópteros do Ibama e Marinha fazem a verificação visual. Todas as formas de monitoramento estão sendo adotadas”, completa.

Por outro lado, o governo tem centrado o discurso na origem do óleo, que seria a Venezuela, principal país alvo de críticas bolsonaristas. Segundo o ministro, a origem do derramamento dificulta o controle.“Se é óleo vazando do fundo do mar, não é do fundo do mar brasileiro, porque ele é venezuelano; ou seja, se tiver, está vindo de poço muito distante. A hipótese mais provável, mas não é a única, é que tenha vazado de um navio, seja durante transporte de um navio para o outro, seja uma avaria ou despejamento”, reforçou Salles em visita a Maceió, na última quarta-feira (16).

Na quinta-feira, o Ibama confirmou que a origem do óleo é venezuelana, mas ressaltou que isso não significa necessariamente que a Venezuela seja a responsável pelo vazamento. Na semana passada, a Venezuela negou responsabilidade no caso. De acordo com a Marinha, em torno de 140 navios petroleiros passaram pela região no período do vazamento.

Para o pesquisador da USP, o governo tem insistido no discurso da busca da causa por interesses políticos e deixado de lado as ações para conter o desastre ambiental. “Se for possível checar a um nexo causal, qual navio ou qual plataforma, de onde veio esse petróleo, isso é algo paralelo. O governo não deveria ter colocado isso isso como desculpa inicial, jogar a culpa na Venezuela, falar que a Petrobras não têm nada a ver com isso”, criticou  Ricardo Menghini.

Nesta sexta-feira, o presidente Jair Bolsonaro questionou se o vazamento poderia ter sido cometido intencionalmente para prejudicar o megaleilão de petróleo da cessão onerosa que será realizado em novembro. “Coincidência ou não, nós temos um leilão da cessão onerosa. Eu me pergunto, a gente tem que ter muita responsabilidade no que fala: poderia ser uma ação criminosa para prejudicar esse leilão? É uma pergunta que está no ar”, disse em vídeo transmitido ao vivo no Facebook ao lado do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e oficiais da Marinha.

Alvo de disputa no Congresso nas últimas semanas devido a critérios de partilha entre os estados, o leilão deve movimentar R$ 106,5 bilhões de reais, que deverão ser pagos pelos vencedores do certame, tornando-se a maior rodada de licitações de petróleo da história.

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