(Para Mário Charles Lindner, meu primo)
No nosso pequeno mundo de crianças, Charles foi uma vidinha que aconteceu sem que percebêssemos, pois ainda era o tempo em que acreditávamos na Cegonha, e quando ele chegou, como era lindo, com seus grandes olhos azuis de longos cílios, copiados da mãe dele, a minha prima Synova!
Eu já estava no segundo ano da escola, naquela altura, e quantas vezes, na volta para casa, fugi do meu itinerário para ir lá espiar o nenen da Synova, aquele menino de faces rosadas, bonito como um principezinho, envolto nas mantas brancas como o lembro, e que a Synova tratava com o desvelo de leoa. Diversas vezes levei bronca em casa por chegar atrasada, pois vivia indo lá espiar o Charles, que crescia como um querubim! Conforme ele passou a comer algo mais que leite, dentre as demais coisas que fazem um bebê crescer bem, Synova passou a lhe dar, todos os dias, uma maçã raspadinha a colher, e naquele tempo maçã era coisa cara, importada da Argentina, o que fazia com que certa ala mais velha da família achasse que aquilo era um desperdício – minha mãe era da turma do contra, da turma que achava que a mãe de Charles fazia muito bem em lhe dar todo o dia a maçã.
– O que entra por aqui, ó – e minha mãe apontava a boca – aparece aqui e aqui – concluía ela dando tapinhas alternados nas faces. E Charles crescia saudável e lindo, bem como um menino que come maçã importada todos os dias.
Quando eu tinha 17 anos e Charles, portanto, tinha 8, fiquei morando um longo tempo na casa dos seus pais. Foi bem na época em que a televisão chegou a Blumenau, quando vivíamos os Festivais Internacionais da Canção e o Movimento Hippie, e aquele menino pequeno ainda era muito pequeno para nossas aventuras “adultas”, como falar de política escondidas, eu e sua irmã Rosiani, por exemplo, já que atravessávamos o tempo brabo de uma ditadura. Mas havia aquele menino ali junto com a gente, e ele era encantado pelos desenhos animados que passavam na televisão, e ficava andando pela casa em câmara lenta, imitando seus heróis preferidos, o que fazia com que todos prestássemos atenção às suas graças de ator!
O tempo foi passando, e um dia, na antiga Rua Hermann Huscher, ainda virgem de prédios e de asfalto, Charles parou sua Brasília ao meu lado para me apresentar Cléia, a linda namorada. Ele continuava muito bonito, com seus longos cílios em torno dos olhos azuis, e Cléia era uma simpatia, bem como a fada que chega na vida do príncipe! Eles se casaram um pouco depois, e fizeram a sua casa, e muito Charles trabalhou na profissão da sua escolha, que era de consertar motores de barcos de luxo, sempre indo e vindo para as praias onde as pessoas granfinas ancoravam os mesmos, sem contar da quantidade de barcos que eram rebocados até sua oficina.
Há 16 anos atrás nasceu Ricardo, o único filho de Charles, o menino Lindner que é tão parecido com a Cléia.
Faz poucas semanas que estive na propriedade do Charles, e vi muitos abacates verdes caídos no chão.
– Posso apanhá-los? – perguntei.
Claro que acima de mim havia uma enorme abacateiro carregadinho.
– Colhe do pé – me disse Charles. – Pode levar quanto quiser! – e eu colhi diversos deles. Não poderia jamais fazer idéia que nunca mais falaria com ele.
Charles morreu ontem à tarde. Daqui a pouco volto ao seu velório. Ontem à noite, no seu terno azul marinho, dormindo seu sono tranquilo, ele continuava tão bonito como sempre o conheci – só seus olhos azuis se tinham fechado para sempre, embora os grandes cílios fossem tão evidentes, por mais algumas horas. A fada Cléia permanecia a seu lado, fazendo aquele tipo de carinho que só sabem fazer as pessoas que amam muito.
Como pode acontecer tal coisa, Charles? Tu eras o mais novinho de toda a nossa turminha de primos – por que tinhas que ir tão cedo?
Choro muito, claro.
Blumenau, 11 de março de 2012
um grande amigo !!! pelo pouco tempo que o conheci pessoalmente uma figura !!! vai fazer falta amigo , das conversa debaixo dos abacateiros dos mais variados assuntos . ate breve … parabens pelas palavras Dna Urda . ele era especial . um amigo .