Depois de quase 50 anos, a jornalista Hildegard Angel recebeu as certidões de óbito do irmão, o estudante Stuart Angel, e da mãe, a estilista Zuzu Angel, mortos pela ditadura militar na década de 1970. Nos dois documentos, emitidos na sexta (6), consta como causa “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada a população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”.
Stuart foi preso e torturado até a morte na base aérea do Galeão, no Rio, em 1971. Zuzu morreu cinco anos depois, em um acidente de carro, vítima de uma emboscada planejada pela ditadura, conforme relatório da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, do Ministério da Justiça. “Até a sua morte, ela nunca parou. Atuou o tempo todo. Militou o tempo todo”, disse, certa vez, Hildegard.
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Enquanto presidia a Comissão Especial, a procuradora Eugênia Gonzaga emitiu a declaração com as condições da morte. Eugênia foi afastada neste ano pelo presidente Jair Bolsonaro, que se empenha em deturpar os fatos e reescrever a História. “A Justiça autorizou a retificação de que Zuzu não teria morrido acidentalmente – mas em razão de perseguição política, como reconheceu a Comissão Nacional da Verdade”, afirmou Eugênia.
Hildegard reconheceu o esforço da procuradora: “Foi com Eugênia que a coisa realmente andou. É irônico que o processo tenha terminado nesse governo”, afirmou a filha caçula da estilista.
A família
Zuleika de Souza Netto, a Zuzu, era natural da cidade mineira de Curvelo. Casou-se com o norte-americano Normal Angel Jones e estabeleceu-se no Rio de Janeiro, onde montou um ateliê em sua própria casa. Teve seu talento reconhecido ao misturar elementos da cultura brasileira ao vestuário de modelagem simples, mas contemporâneo. Usou rendas, bordados e pedrarias.
No auge da carreira, seu jovem filho Stuart desapareceu depois de ser preso. Zuzu Angel viveu, então, uma saga para denunciar o desaparecimento pelo regime militar e chegou a usar sua arte para protestar contra a ditadura dentro e fora do País. Em sua busca, fez um desfile de protesto em Nova York e incorporou ao luto a roupa preta, o véu, crucifixos e o cinto, em forma de protesto.
Hidelgard conta também que a mãe fez santinhos com o rosto do irmão e buscou ajuda de políticos, artistas, jornalistas e até militares. Chegou a costurar para a esposa do general Artur da Costa e Silva em busca de informações que pudessem levar ao paradeiro de Stuart Angel.
Para a ex-presidenta da Comissão Estadual da Verdade, Nadine Borges, pela coragem em denunciar as violações de direitos humanos no regime militar, Zuzu tornou-se referência. “Era um período em que pessoas com capital econômico ajudaram o golpe. Ela foi uma exceção. Fez tudo o que podia, usou suas relações profissionais e pessoais, desafiando a ditadura para encontrar o filho e denunciar a tortura e os desaparecimentos de ativistas políticos no Brasil”, frisou.
Nadine também destaca o peso da luta de Zuzu na obra da estilista. “Ela usou a criatividade nos cortes, nos desenhos, e as cores para transmitir esperança. Chega a ser atual”, completou.
Com informações da Folha de S.Paulo e da Agência Brasil